São Paulo, quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004

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URBANIDADE

O carioca que traduz São Paulo

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Roberto Szaniecki é a cara da diversidade paulistana apesar de não ter morado em São Paulo -e de não pretender mudar-se para a cidade.
Filho de pai judeu e mãe luterana, nasceu na Polônia, mas foi criado, desde os cinco meses, no Rio -a rua em que morava era sede de escola de samba. Apaixonou-se pelo Carnaval, estudou cenografia e ajudou a fazer desfiles de tradicionais escolas, como Mangueira e Salgueiro. Levou tão a sério a profissão de carnavalesco que fez estágios de cenografia em teatros do Texas, de Los Angeles e de Nova York.
Talvez experimentando a mesma estranheza com que aquela família polonesa de sobrenome impronunciável aprendeu a lidar com os trópicos, Roberto Szaniecki teve de aprender as nuances do estilo paulistano da escola de samba Gaviões da Fiel, com a qual já trabalhou em 1999 -nenhuma escola de samba do país é, ao mesmo tempo, torcida organizada. "São culturas carnavalescas bem distintas", diz, comparando com escolas do Rio.
Foi convidado pela Gaviões da Fiel para traduzir, na avenida, a cidade de São Paulo. Fez o enredo para mostrar a linha evolutiva da transgressão, criando um painel de idéias inovadoras. "O que mais me chamou a atenção foram as rupturas políticas, econômicas, sociais e culturais."
Misturam-se, assim, nos carros alegóricos, Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), declaração da Independência, movimento abolicionista, Semana de Arte Moderna, tropicalismo, as primeiras greves operárias no século 20, estúdio cinematográfico Vera Cruz, industrialização, Monteiro Lobato e imigrantes. Há referências sobre pesquisas genéticas (o Projeto Genoma, da USP) aplaudidas no mundo todo.
Como não poderia deixar de ser, há um espaço especial para o futebol, que, no Brasil, teve início em São Paulo. "O futebol revolucionou o lazer popular."
Ao se embrenhar nos hábitos locais, ele diz que, para entender São Paulo, é preciso ter um pouco do espírito de bandeirante. "Entendemos o Rio logo de cara e gostamos da cidade. São Paulo tem de ser vasculhada, explorada, para encontrarmos suas riquezas. Depois que as encontramos, vemos que em nenhum lugar há tanto a ser descoberto."
Poucas coisas são mais paulistanas, na vocação para a diversidade, que um polonês carioca, filho de pai judeu e mãe luterana e que organiza o Carnaval de uma das principais escolas de samba de São Paulo -sem planejar, ele próprio virou personagem sintético da história que apresentará no sambódromo.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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