São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 2006

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A POLÊMICA DO JULGAMENTO DO MASSACRE NO CARANDIRU

CONTRA A DECISÃO

Uma decisão pela e para a violência

HÉLIO BICUDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A absolvição pelo Tribunal de Justiça de São Paulo do ex-coronel Ubiratan, que comandou a chacina do Carandiru, não se constitui em surpresa diante de um Poder Judiciário conservador, que tem adotado medidas que favorecem a impunidade, em especial daqueles que se especializaram na prática da violência como um sucedâneo de um sistema que, respeitando os direitos do cidadão, resguarde a segurança de todos.
A impunidade, e com ela o incentivo à violência, é uma constante nos julgados da Justiça paulista. Na verdade, não se poderia pensar em outra coisa, na decisão ora adotada, quando foram pífias as condenações, há tantas décadas, dos policiais mais categorizados do "esquadrão da morte". Nesse episódio, foram condenados apenas dois ou três policiais de nenhuma expressão. Não passaram de investigadores que, na companhia de Sérgio Fleury e de outros delegados de polícia, seguiram o caminho que se lhes ordenava: matavam e participavam de todo o tipo de corrupção.
Ainda há pouco, assistimos ao Tribunal de Justiça, por um de seus desembargadores, determinar o arquivamento de inquérito em que figuravam o secretário da Segurança e dois juizes, apontados como partícipes da chamada operação Castelinho, quando 12 pessoas foram eliminadas por policiais militares na maior farsa policial que já se montou em nosso Estado.
Vão na mesma linha a absolvição do então secretário da Segurança Pública, o coronel Erasmo Dias, que, durante a ditadura militar, foi acusado de difamar terceiros e de coonestar a prática policial do enruste, e o reconhecimento a favor de Afanázio Jazadji, uma retratação em processo por crime de ofensa a honra contra ele instaurado, numa distorção evidente das normas penais, adotada para que não sofresse a devida sanção legal.
Recorde-se, ainda, e agora o Órgão Especial do Tribunal de Justiça consolida esse procedimento que deságua na impunidade, que um cidadão no caso -um ex-coronel da PM- candidata-se a deputado com o nš 111, tem sua candidatura registrada e ocupa um lugar de representante do povo, e repete o primeiro mandato, com uma segunda eleição, quando condenado a 632 anos de reclusão por um tribunal popular.
Nesse caso, o Tribunal Regional Eleitoral, ao interpretar a lei, esqueceu-se de que a finalidade das normas ali estabelecidas é a de proporcionar uma representação popular que se qualifique pelas altas qualidades morais e éticas dos candidatos e não a de cingir-se a um exame legalista de seus antecedentes.
Como se vê, outra coisa não se poderia esperar no caso em comento, quando depois de cerca de mais de 13 anos, 111 detentos, sob a guarda do Estado, foram eliminados e até agora nenhum dos processos chegou a termo, a não ser um deles, esta última e lamentável decisão.
Em remate, o julgamento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado ficará na história e marcará, de forma indelével, a crise por que passa o Poder Judiciário.
Note-se, por último, que a decisão tomada relativamente ao ex-coronel Ubiratan violou o disposto do parágrafo único do artigo 23, do Código Penal, que determina a indagação de um excesso doloso a partir do reconhecimento do estrito cumprimento do dever legal.
Ressalvando os votos dos desembargadores relator e revisor, o desastre compromete, sem dúvida, o respeito que todos devíamos à Justiça paulista.


Hélio Bicudo, 83, advogado e jornalista, é presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos. Foi vice-prefeito do município de São Paulo (gestão Marta Suplicy)


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