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Diálogos mostram erros na queda do Boeing
Transcrições das conversas mostram dificuldades de comunicação e mal-entendidos que levaram à morte de 154 pessoas
Os pilotos do Legacy, 26 minutos após o choque, admitem um para o outro a possibilidade de terem batido em outro avião
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
As 290 páginas com as transcrições das conversas dos pilotos do jato Legacy e dos controladores brasileiros reforçam
que uma sucessão de erros,
mal-entendidos e uma certa
inexperiência ou incompetência causaram o maior acidente
da história da aviação brasileira: a queda do Boeing da Gol,
em 29 de setembro do ano passado, com 154 pessoas a bordo.
São três blocos: 112 páginas
da caixa-preta do Legacy, com
os diálogos entre os pilotos e
outros passageiros, e o restante
dividido entre as conversas da
torre de São José dos Campos
(SP) e a nervosa tentativa do
Cindacta-1 (centro de controle
de Brasília) e do Cindacta-4 (de
Manaus) para tentar entender
o que acontecera com o Boeing.
As transcrições confirmam a
informação publicada pela Folha em 2 de novembro de que o
controlador de São José, de onde decolou o jato, liberou o vôo
citando 37 mil pés, sem detalhar as três altitudes previstas
no plano de vôo original.
Vistas no conjunto, as transcrições deixam evidente que os
pilotos e o controlador de São
José, suboficial João Batista da
Silva, cujo nome não é citado,
tiveram dificuldades de comunicação. Ele falou em 37 mil pés
e os pilotos tentaram três vezes
esclarecer, sem sucesso.
Em depoimento à Polícia Federal, Silva disse que sabia que
o plano de vôo previa três altitudes, mas se limitou a orientar
o Legacy "nos exatos termos"
que recebeu do centro de Brasília: "Autorizado o nível 370 na
proa de Poços de Caldas".
Esse foi o primeiro de uma
série de erros, como a displicência dos controladores de
Brasília e o desconforto dos pilotos norte-americanos Joe Lepore e Jan Paladino com o novo
jato e com as condições de vôo
no Brasil. Num trecho da caixa-preta, um dos pilotos assume:
"Eu preciso aprender essa porra internacional. Merda".
E em dois trechos das gravações entre os centros de Brasília e de Manaus fica evidente
que o Cindacta-1 estava convencido de que o Legacy voava
em 36 mil pés, não em 37 mil,
como de fato estava.
Depois do impacto, que foi
exatamente às 16:56:54 (hora
de Brasília), um piloto do Legacy pergunta ao outro: "Que
diabos foi isso?" Só 26 minutos
depois, Lepore e Paladino admitiram um para o outro a possibilidade -na verdade, a única- de terem batido num outro
avião. "Nós batemos em outro
avião. Eu não sei de onde essa
porra veio." Em entrevista à
Folha em Nova York, em dezembro, eles declararam que só
tiveram essa certeza depois do
pouso de emergência.
Para os controladores, a descoberta foi lenta. "O piloto falou que ele colidiu com alguma
coisa que não sabe o que foi",
diz o controlador de Manaus.
"Ih. Carai", reage o de Brasília.
A tragédia ficava evidente.
Até agora, quase cinco meses
depois, o maior mistério permanece: por que o transponder
estava inoperante?
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