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Pilotos tiveram dificuldades com novo avião
Transcrição das conversas mostra que eles enfrentaram problemas com equipamento que gerencia dados do vôo e com o rádio
Em dezembro, à Folha, Lepore afirmou que Legacy lhe era "muito familiar" e Paladino disse que já havia pilotado "cópia exata" do jato
DA COLUNISTA DA FOLHA
A transcrição das conversas
da cabine de comando do jato
Legacy, gravadas pela caixa-preta, mostra que os pilotos
norte-americanos Joe Lepore e
Jan Paladino tiveram dificuldades com o novo aparelho,
com o rádio, com o mapa aeronáutico brasileiro e com o inglês falado pelos controladores
de São José dos Campos (SP).
O piloto rotulado como Hot 1
na transcrição admite que estava "ainda trabalhando os problemas de mexer nessa coisa",
referindo-se ao FMS (Flight
Management System), que gerencia todos os dados do vôo,
inclusive rota e altitude.
Mais adiante, depois de dizer
que precisava "ler o livro", reclamou: "Tudo está uma bagunça porque (...) nós precisamos, eu acho, limpar esse avião
e o configurar".
Em entrevista à Folha, concedida em Nova York e publicada em 17 de dezembro, Lepore disse que é piloto há 20 anos,
treinou 20 horas no simulador
e, além disso, voa há bastante
tempo em aeronaves similares.
"O equipamento me era muito
familiar", declarou. Na mesma
entrevista, Paladino disse que
era piloto há 16 anos e tinha
voado como comandante no
Embraer 145, que classificou
como "cópia exata do Legacy".
Nenhum dos dois, na entrevista, criticou o controle aéreo
brasileiro diretamente. Mas,
entre eles, durante o vôo que
acabou em tragédia, não foi
bem assim.
Os dois reclamam do inglês
do controlador de vôo de São
José dos Campos, onde o Legacy decolou, e citam especificamente as dificuldades para
estabelecer a altitude, uma
questão-chave do choque com
o Boeing da Gol.
Ambos voavam a 37 mil pés,
em sentido contrário. E, no
sentido Brasília-Manaus, que
era o do Legacy, as altitudes
ímpares são "contramão".
"Nós estávamos tentando
pegar um altitude antes de partirmos e houve isso", diz Hot 1.
O outro, Hot 2, também reclama: "Ah. Ele [o controlador]
apenas ficou dizendo voe partida Oren [um perfil de subida]".
Em seguida, o piloto diz que
perguntou duas vezes pela altitude. Na verdade, foram três.
"Odeio ter a Força Aérea Brasileira no nosso rabo", acrescenta, enfim.
Sistema anticolisão
Outra questão-chave é que o
transponder, aparelho que
aciona o TCAS (o sistema anticolisão), estava inoperante. As
112 páginas de conversas dos
pilotos não esclarecem o motivo em nenhum momento. Até o
choque, não há registro nem de
que os pilotos tenham desligado o aparelho nem de que tenham percebido que ele não estava funcionando.
Só depois, um piloto pergunta para o outro: "Cara, você está
com o TCAS ligado?" O outro
responde: "É. O TCAS está
desligado".
A fabricante do transponder,
a Honneywell, norte-americana, convocou aparelhos semelhantes para um "recall", pois
eles estariam entrando em
"stand-by" inadequadamente.
O aparelho do Legacy, porém,
não está na lista de "recall".
Conforme a Folha apurou,
os investigadores aeronáuticos
trabalham com a hipótese de
um dos dois, Lepore ou Paladino, estar com um laptop aberto
no colo, com a tampa escondendo a parte do painel onde se
encaixa o transponder.
Nas fitas, não há referência
direta a laptop, mas há a DVD.
E, mais uma vez, os dois pilotos
se atrapalham na manipulação
desse aparelho.
Eles também manifestam
dúvidas sobre a localização da
aeronave e, em determinado
momento, Hot 2 diz ao companheiro: "Eu só quero ter certeza de que estamos indo na direção certa". Como se, justamente, não tivesse a certeza.
Em outro momento, eles parecem consultar os mapas, mas
não conseguem identificar um
rio, que julgam ser "San Felix".
Descontração
As conversas registram ainda
momentos de descontração,
quando os pilotos se animam
com a hipótese de voltar ao
Brasil, via Rio, para pegar um
novo avião da Embraer -que
produziu o Legacy. A viagem
estava prevista para dezembro
de 2006, e eles dizem, aliviados,
que têm visto de cinco anos para entrar no país.
Há, ainda, vários palavrões e
algumas referências pouco elogiosas aos controladores brasileiros, chamados, por exemplo,
de "fudidos". Para os pilotos,
nas palavras de um deles, eles
"foram esquecidos" pelo controle aéreo brasileiro.
As conversas foram transcritas pelo NTSB (National Transportation Safety Board), de
Washington (EUA), e constam
das investigações, ainda em andamento, da Polícia Federal e
das autoridades aeronáuticas.
Originalmente em inglês, foram traduzidas para o português e, em alguns trechos, estão
truncadas ou incompletas.
Quem assina o trabalho é Albert G. Reitan, especialista em
segurança no transporte. Em
inglês, caixa-preta é CVR
(Cockpit Voice Recorder).
Apesar de não haver indicação de quem é quem na transcrição, é razoável supor que
Hot 1 é Lepore, que é mais contido, e que Hot 2 é Paladino,
sempre mais falante e mais
veemente.
Há, ainda, referência a Hot 3,
Hot 4 e CAM, sem ser possível
identificar, até o momento, a
que se referem essas siglas. Havia sete pessoas no vôo: além de
Lepore e Paladino, representantes da ExcelAire, dona do
avião, da Embraer, que o produziu, e dois jornalistas.
(ELIANE
CANTANHÊDE)
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