São Paulo, domingo, 18 de março de 2007

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No divórcio, igreja mais perdoa que condena

Na Arquidiocese de São Paulo, 90% dos interessados conseguem obter a declaração de que seu casamento nunca foi válido

"Alguns, apesar da aparência, não são casamentos de fato. Quando ocorre esta situação é que a igreja declara a nulidade", diz padre

LEANDRO BEGUOCI
DA REPORTAGEM LOCAL

MAURÍCIO SIMIONATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM JUNDIAÍ

A Igreja Católica condena o pecado, mas não o pecador. Está é a máxima usada por padres e bispos para explicar por que o catolicismo se opõe ao divórcio e ao segundo casamento, mas não expulsa as pessoas nestas condições dos templos.
Uma carta do papa João Paulo 2º em 1981, ainda em vigor, afirma que a igreja se opõe à separação, mas não pode discriminar os divorciados e deve arrumar meios de acolhê-los. Ao menos desde 1917 é possível pedir a declaração de que a união anterior não foi válida, segundo os preceitos da religião.
Na Arquidiocese de São Paulo, cerca de 300 pessoas pedem, por ano, que seu casamento anterior seja declarado nulo. Em média, 90% dos interessados conseguem. É como se seu time fosse vice-campeão de um torneio e, algum tempo depois, o campeão fosse declarado inexistente porque violou as regras do jogo. Na igreja, o princípio é o mesmo. Não existem dados consolidados sobre declaração de anulação de uniões católicas em todo o Brasil.
A procura, contudo, é pequena. Em 2005, cerca de 10,6 mil pessoas se divorciaram na Justiça apenas na capital paulista.
"O casamento é e sempre foi considerado pela igreja como uno e indissolúvel", afirma o padre Antônio Gonçalves, juiz do Tribunal Eclesiástico de São Paulo, que julga se os casamentos podem ou não ser declarados nulos. "Mas sabemos que alguns não dão certo. Alguns, apesar de toda aparência, não são casamentos de fato. Quando ocorre esta situação é que a igreja declara a nulidade."
Apesar do respeito, há restrições. Alguns divorciados não podem receber a comunhão nem se confessar. O motivo: a igreja considera uma segunda união sem declaração de nulidade uma traição ao primeiro cônjuge, o que é pecado. Só pode receber a comunhão quem está livre de pecado. Só pode se confessar quem se arrependeu.
O rigor se explica, segundo d. Rafael Cifuentes, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família, da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil): "O casamento é um vínculo indissolúvel de amor feito por Deus entre homem e mulher. A ninguém é dado o direito de romper este vínculo, nem à igreja".

Casal pioneiro
O promotor de Justiça aposentado João Bosco Oliveira, 69, é fundador da primeira pastoral de casais em segunda união do país (1993) -hoje são 21 mil casais em centenas delas no Brasil e na América Latina- e é católico militante, mas, ao se casar pela segunda vez após se divorciar, teve de deixar de comungar na missa.
Hoje, não consegue se conter de emoção ao falar de seu neto, Jean Luca, 9, que irá comungar pela primeira vez em maio.
Unido com a advogada Aparecida de Fátima Fonseca Oliveira, 49, há 20 anos, Oliveira se casou na igreja em 2001, após a morte da primeira mulher, com quem viveu 20 anos e teve três filhos. "Interpreto tudo isso como uma grande responsabilidade que se coloca sob nossos ombros, no sentido de sermos um instrumento da igreja para a preparação de todos os casais nessas situação", disse.


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