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"Desigualdade, e não a pobreza, aciona a violência"
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
Não é a pobreza, mas sim a desigualdade -em todas as suas formas- que aciona o estopim da
violência urbana. A opinião é da
economista da FGV (Fundação
Getúlio Vargas) Sônia Rocha, especializada em questões sociais.
O que gera violência, diz, é a
"desestruturação urbana, desestruturação das sociedades, das comunidades em relação ao que elas
esperam, ao que elas têm e ao que
elas vêem". Para Rocha, não existe uma "vinculação" entre pobreza e violência.
Folha - Qual a relação entre violência, pobreza e miséria urbana?
Sônia Rocha - Não existe uma relação direta. As áreas mais pobres
do país são provavelmente áreas
no Nordeste, onde existem bolsões de pobreza crítica. Lá, não
existe violência, ao menos essa da
qual a gente está falando. A violência é a própria pobreza, a própria miséria, as condições de vida
das pessoas. Mas elas não se atacam por causa disso. O que existe
muito mais é uma relação entre
desigualdade e violência, desestruturação urbana, desestruturação das sociedades, das comunidades em relação ao que elas esperam, ao que têm e ao que vêem.
Não é pobreza [a causa da violência]. É a ruptura do tecido social, a
falta de estrutura das famílias, a
desigualdade e os conflitos.
Folha - É o contraste urbano entre
rico e pobre que ativa a violência?
Rocha - Não é só o contraste entre riqueza e pobreza. O poder, a
renda alta, a possibilidade de consumo são imolados para a população de baixa renda. Isso gera insatisfação. As condições de desigualdade, do mercado de trabalho e de acesso à renda tornam isso [o consumo] algo totalmente
fora das possibilidades de grande
parte da população. Isso gera uma
insatisfação horrorosa, que gera,
claro, violência também.
Folha - Esse é o principal ingrediente para a explosão da violência
nas grandes cidades?
Rocha - Não. O tráfico de drogas
é um complicador nessa história.
Isso porque o tráfico entra e não
tem fronteiras. Ele oferece uma
possibilidade de ganhos de curtíssimo prazo enormes. E é uma
atração enorme para os jovens,
principalmente os que não têm
acesso à educação, que não têm
possibilidades de inserção na sociedade, que não têm futuro.
Folha - Faltam políticas públicas
para jovens?
Rocha - Temos hoje nas áreas urbanas uma população jovem
muito pouco educada. É uma
clientela que deveria ser privilegiada pelas políticas sociais, nessa
faixa de 15 a 25 anos. Eles já não
são alvo da maioria daqueles programas que montamos nos últimos anos, do tipo bolsa-escola,
bolsa-alimentação, que têm toda
a razão de ser, porque essa também é uma clientela importante.
Já não estão em idade escolar, mas
têm um atraso escolar enorme. E
o mercado de trabalho é cada vez
mais complexo. Além de não terem a educação formal, não conhecem os códigos. São tão excluídos que não sabem o modo de
se portar, de falar, tudo o que é necessário para um emprego.
Folha - O que ocorre na Rocinha é
resultado da falta dessas políticas?
Rocha - O que está acontecendo
na Rocinha hoje é essencialmente
tráfico. A Rocinha certamente
não é uma das áreas mais pobres
do Rio. Lá, não se encontra a situação de pobreza que se vê em algumas áreas de periferia. Eu não
diria que a Rocinha ou qualquer
outra favela da zona sul do Rio é
uma área crítica de pobreza.
Essas comunidades têm acesso
a serviços públicos muito melhores. Geralmente, têm água, luz e
escola. Têm também centros de
saúde na proximidade, transporte
regular.Tudo é muito melhor do
que em áreas que, às vezes, não
são nem faveladas.
Folha - Qual a principal causa do
conflito na Rocinha?
Rocha - Lá, tem uma população
refém do tráfico, o que em si já é
um problema. Nesse momento,
há uma guerra de gangues. É o
que tem acontecido volta e meia
no complexo do Alemão [também no Rio]. Um grupo invade a
área de controle do mercado de
drogas do outro e a população fica
refém, no meio do fogo cruzado.
Isso se soma a um conjunto de
problemas que são crônicos, mas
que não são críticos. Volta e meia
há uma crise devido à questão específica de disputa de área. Não é
pobreza que gera violência, mas a
desigualdade de renda, de poder,
de patrimônio, de acesso às coisas
que a renda permite.
Folha - Essa desigualdade é diferente em outras cidades, como São
Paulo?
Rocha - São Paulo tem uma disposição urbana diferente da do
Rio. Existe violência também.
Existem áreas com problemas críticos, áreas fechadas à sociedade
civil, mas elas ficam na periferia.
No Rio, o modelo é diferente. Essas áreas estão dentro da cidade,
perto do mercado consumidor
[de drogas]. As favelas evoluíram
para abrigar o tráfico.
Folha - O inchaço das cidades provocado pela migração tem relação
com a violência?
Sônia Rocha - Não. Mas, sem dúvida, a vida é melhor nas cidades.
Por isso, eles continuam vindo.
Mesmo São Paulo tendo uma taxa
de desemprego elevada, a migração do Nordeste para lá se mantém elevada. Essa é uma das razões para uma incidência de pobreza tão grande em São Paulo.
Mas migram por qual motivo?
Eles percebem que, se vierem, terão melhores condições de vida.
Mesmo que estejam desempregados, o filho vai estar na escola e o
suporte do Estado vai ser muito
melhor em São Paulo do que em
qualquer área do Nordeste. Muitas dessas pessoas reclamam da
violência da periferia, mas violência maior é não ter acesso a nada.
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