São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 2006

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GUERRA URBANA/ CORRUPÇÃO

Funcionário de empresa que trabalha na Câmara vendeu áudio a advogados da facção, dois dias antes do início dos atentados

PCC comprou gravação secreta de CPI

FÁBIO ZANINI
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O PCC (Primeiro Comando da Capital) comprou a cópia da gravação de uma sessão secreta da CPI do Tráfico de Armas, na quarta-feira da semana passada, quando se mencionou o plano para transferir líderes da facção criminosa. A polícia de São Paulo suspeita que isso possa ter contribuído para que fosse deflagrada, dois dias depois, a maior onda de violência da história do Estado.
A revelação foi feita ontem pelo técnico de som Arthur Vinicius Silva, em depoimento à própria CPI. Ele disse ter vendido, por R$ 200, dois CDs com o áudio da sessão aos advogados Maria Cristina de Souza Rachado e Sérgio Wesley da Cunha, que se apresentaram como defensores de líderes da organização. A Folha apurou que ele recebeu R$ 2.000.
A CPI encaminhou à Justiça pedido de prisão preventiva deles, pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa. Também serão convocados para uma acareação com o técnico.
Na audiência da semana passada, os delegados Godofredo Bittencourt e Rui Fontes, ambos do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), mencionaram o plano de transferir para presídios de segurança máxima os principais líderes da facção, pois havia a possibilidade de uma megarrebelião.
"Bittencourt contou toda a história na CPI. Como acontecem as coisas, como é usado o celular. Contou também a participação das pessoas", disse o delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Marco Antonio Desgualdo.
Empregado de uma empresa que presta serviços de gravação para a Câmara, Arthur depôs como testemunha, falou com uma tranqüilidade que surpreendeu os deputados e deixou a sala em liberdade, sob proteção policial.
Ele disse que foi abordado pelos advogados enquanto gravava os depoimentos, em um estúdio fechado, contíguo à sala da CPI. Pouco antes, Cunha e Rachado haviam sido identificados por Bittencourt como advogados do PCC. Isso levou o presidente da CPI, Moroni Torgan (PFL-CE), a determinar a retirada deles e os depoimentos em sessão fechada.
Sem serem percebidos pelos deputados, os advogados então teriam se dirigido ao técnico de som, perguntando se haveria uma forma de obter a gravação. A princípio, ele disse que teria resistido à oferta, mas depois cedeu. "Eu ganho pouco", disse aos deputados, revelando que recebia R$ 1.300 líquidos mensais.
Ontem, Arthur deixou claro que sabia que os advogados eram do PCC e confirmou que tinha conhecimento sobre o que era a organização. Mas disse que, naquele momento, não sabia da "imensidão" do que estava fazendo.
"Achei que eles [os advogados] queriam uma forma melhor de defender os clientes", afirmou. "Depois que vi na TV me perguntei: será que foi pelo que fiz? Estou desde sábado sem dormir."

Cronologia
Assim que o depoimento terminou, Arthur retirou o cartão de memória que gravou a sessão em um computador. Encontrou os dois advogados em frente ao restaurante da Câmara e foram a um shopping para fazerem cópias em dois CDs. Ainda segundo Arthur, até esse momento não haviam sido discutidos valores. Cunha perguntou, então, quanto ele queria, ao que o técnico respondeu: "Não sei, não tem tabela para isso."
A advogada teria colocado quatro notas de R$ 50 no bolso do paletó do técnico. Os advogados deram a ele seus cartões, pedindo que enviasse e-mails posteriormente, para "dar mais algum". O técnico fez isso no dia seguinte.
A história começou a vir à tona já no dia seguinte. A polícia paulista comunicou a alguns deputados que os advogados realizaram uma audioconferência na própria quinta-feira por celular com os líderes do PCC, transmitindo a gravação da audiência da CPI.
Os deputados acionaram a Polícia Legislativa. Eles chegaram a Arthur porque deram pela falta de um cartão de gravação da sessão da CPI. Ao ser interrogado pela polícia da Câmara, confessou.


Colaborou Afra Balazina

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