São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 2006

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GUERRA URBANA /ANÁLISE

Para Michael Berkow, do Departamento de Polícia de Los Angeles, é preciso pacto com população

"Polícia deve ter salário decente para ser cobrada"

Ayrton Vignola/Folha Imagem
Policiais militares, armados, durante revista a moradores na região central de São Paulo; polícia já matou 93 suspeitos após ações do PCC


FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Michael Berkow é chefe-adjunto da LAPD, o controvertido Departamento de Polícia de Los Angeles, famoso tanto pelas séries de TV que protagoniza quanto por casos de corrupção e brutalidade.
O mais famoso ocorreu em 1991, quando policiais foram filmados espancando violentamente o negro Rodney King. A absolvição dos policiais, um ano depois, provocou três dias de violentas manifestações em Los Angeles que deixaram 40 mortos e prejuízos de mais de US$ 1 bilhão.
Advogado e pós-graduado em administração, Berkow vem acompanhando a "situação de guerra" em São Paulo desde Los Angeles, onde lida há anos com líderes de várias gangues. Juntas, elas têm quase 40 mil membros.
Em entrevista à Folha, ele defende a classe policial. "A polícia deve ter salários e benefícios decentes para poder ser cobrada". E relata como o país com o sistema prisional mais rigoroso do mundo também sofre com a infiltração de celulares nas cadeias. "Isso também acontece por aqui."
 

Folha - Como o sr. avalia a crise de segurança em São Paulo provocada pelo PCC nos últimos dias?
Michael Berkow -
O que detonou a situação foi a remoção de alguns presos influentes e perigosos na tentativa de isolá-los. Aqui, também reconhecemos claramente a necessidade desse isolamento. Fazemos isso há 20 anos na Califórnia, onde sempre houve a tentativa de líderes de gangues presos de controlar as ruas.
O exemplo mais conhecido em Los Angeles é o da MM, a Máfia Mexicana. No final dos anos 90, membros da MM chegaram a ordenar de dentro da prisão uma trégua na guerra de gangues na cidade. Basicamente, disseram às outras gangues: ou vocês param ou nós acabamos com vocês aqui quando forem presos. Pararam.
Prisões e instituições específicas vêm sendo construídas com o objetivo de isolar completamente esses indivíduos. Temos conseguido isso em prisões de segurança máxima em Pelican Bay (Califórnia) e no Colorado, onde tudo é tão controlado que a comunicação é virtualmente impossível.
Mas passei alguns meses do ano passado trabalhando em conjunto com a Polícia Metropolitana de Londres. Lá, celulares em mãos de criminosos são hoje mais importantes e valiosos do que drogas. Em todos os lugares vemos um esforço enorme das autoridades em tentar impedir a entrada de telefones celulares nas cadeias.

Folha - O uso de aparelhos por criminosos também é recorrente nas prisões norte-americanas?
Berkow -
Chega a acontecer, mas é muito raro em prisões de segurança máxima. Não creio que aconteça no mesmo nível que em São Paulo, mas acontece. Sei que no Reino Unido isso também é um grande problema.
Há um julgamento em andamento na Califórnia envolvendo a gangue Irmandade Ariana. É uma das mais violentas do sistema prisional americano e as pessoas em julgamento já estão condenadas a sentenças de prisão perpétua. Mesmo assim, elas vêm ordenando assassinatos e controlando o contrabando dentro do sistema prisional. Eles foram investigados durante dois anos por autoridades federais e pelo FBI. Agora, devem ser novamente julgados para ser enviados a prisões no Colorado, onde devem ser totalmente isolados.

Folha - Depois dos ataques do PCC, a polícia paulista agiu com violência, com quase uma centena de suspeitos mortos e pouca divulgação sobre as circunstâncias dessas mortes. A imagem da polícia, que já não é boa, não tende a piorar em um episódio como esse?
Berkow -
É compreensível. Vocês têm aí uma enorme população e uma força policial também muito grande e mal paga [o salário médio da PM paulista é de R$ 1.200].
É preciso ter mecanismos eficazes para investigar e punir policiais corruptos. Mas lembre-se que um dos princípios básicos para a polícia funcionar é a necessidade de haver uma barganha, um acordo entre a força policial e a população. O trabalho da polícia deve ser o de manter todos seguros e fazer com que todos sigam as leis. O da outra parte é apoiá-la. Portanto, é preciso descobrir a causa desse acordo ter sido quebrado. Talvez vocês descubram que ele foi rompido pelos próprios governantes e pela população ao não estarem dando o apoio material e solidário que a polícia merece. Só quando esse apoio estiver muito claro é que se pode exigir da polícia o tipo de comportamento que seria o ideal.
Aqui, dependendo do nível de escolaridade, os salários anuais variam entre US$ 55.000 e US$ 65.000 (R$ 10.000 a R$ 12.000 ao mês) e há uma série de benefícios. Já fizemos a conta. Em média, um policial em Los Angeles vai receber ao todo US$ 3 milhões (R$ 6,6 milhões) ao longo de sua carreira, entre salários, benefícios e pensão na aposentaria.

Folha - Mesmo assim, são famosos alguns casos de corrupção na polícia de Los Angeles, não?
Berkow -
Estamos debaixo de um microscópio gigantesco. Vivemos na capital mundial da mídia, para onde todas as atenções estão voltadas. No final dos anos 80 e início dos 90 houve alguns poucos casos de corrupção, mas eles fizeram um estrago incrível à imagem da polícia. Temos 9.300 policiais em Los Angeles. Houve menos de 50 deles envolvidos e as condenações criminais não passaram de 10. Tenho 350 detetives investigando diariamente corrupção policial e má conduta, e posso garantir que temos hoje uma polícia bastante limpa por aqui.


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