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Indústria farmacêutica financia ONGs
Nove entidades brasileiras que assinam manifesto contra quebra de patentes de remédios recebem dinheiro de laboratórios
ONG americana diz que relação financeira pode levar entidades que ajudam os doentes a defender interesses da indústria
CLÁUDIA COLLUCCI
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL
Pelo menos nove entidades
brasileiras de defesa de doentes
são financiadas por fabricantes
de remédios, revela um estudo
recém-concluído da ONG (organização não-governamental)
americana Essential Action.
Uma entidade que representa pacientes com linfoma e leucemia (tipos de câncer) com sede em São Paulo, por exemplo,
recebeu R$ 1,5 milhão de oito
multinacionais no ano passado
-60% do orçamento total.
O documento afirma que a
relação financeira pode fazer
com que "entidades aparentemente independentes" deixem
de lado os interesses dos pacientes e adotem uma agenda
"consoante com as prioridades
da indústria".
No Brasil, os dois lados admitem a transferência de dinheiro, mas negam que isso interfira na independência das entidades de pacientes.
Para chegar à conclusão, a
Essential Action, que se dedica
a estudar a saúde pública, analisou um manifesto internacional a favor da manutenção do
sistema de patentes de remédios. Das 110 entidades de
doentes que assinam o documento, 61 têm ligação com a indústria farmacêutica ou com
fabricantes de equipamentos
médicos, segundo a ONG.
Nesse manifesto, os pacientes seguem o discurso dos laboratórios, que são contrários à licença compulsória de patentes.
Esse expediente, que acaba
com o monopólio da fabricação, é adotado quando o governo de um país pobre entende
que está pagando muito caro
por certas drogas.
O manifesto foi remetido à
OMS (Organização Mundial da
Saúde), que há dois anos estuda
mudanças no sistema de proteção de patentes -incluindo a licença compulsória- e criou
um grupo de trabalho intergovernamental para analisar formas de ampliar o acesso da população a medicamentos.
O texto final deve ser votado
nesta semana, durante a Assembléia Mundial da Saúde. Se
aprovado, a OMS poderá dar
assistência a países que queiram quebrar patentes.
Países emergentes, como o
Brasil, e fabricantes de genéricos pressionam para que o documento seja aprovado. Já
multinacionais farmacêuticas
tentam impedir o acordo.
Das 61 entidades signatárias
que mantêm relações com a indústria, nove são brasileiras.
Elas defendem hemofílicos,
diabéticos e pacientes com câncer e hepatite.
Jim Donahue, um dos responsáveis pelo estudo da Essential Action, diz que o problema não está propriamente no
financiamento farmacêutico,
mas no fato de essa relação não
ser tornada pública. "As entidades precisam revelar quem são
seus financiadores, que interesses estão defendendo, deixar as coisas claras", defende.
O presidente do Conass
(Conselho Nacional de Secretários de Saúde), Osmar Terra,
lembra que o milionário mercado de medicamentos é movimentado em grande parte pelas
compras dos governos.
"É natural que se forme um
lobby. O problema é que a indústria usa algumas associações de doentes para pressionar [o governo a comprar remédios]. Não há ninguém melhor que o doente para ser a vítima", afirma Terra, que também é secretário de Saúde do
Rio Grande do Sul.
O estudo da Essential Action
chegou à OMS, na Suíça, no início deste mês. Segundo a farmacêutica Gabriela Costa Chaves, do grupo de trabalho brasileiro sobre propriedade intelectual, a revelação causou
"surpresa" na equipe.
"Agora estamos triplamente
atentos. A questão do conflito
de interesse é muito sensível
quando a gente lida com medicamentos. O debate é polarizado. Você tem que definir de que
lado está. Se recebe recursos da
indústria, essa discussão está
contaminada", afirma.
Para o pesquisador Mario
Scheffer, as ONGs têm autonomia para fazer as parcerias que
desejarem, mas devem permanecer isentas. "É muito complicado que uma ONG que orienta
os pacientes a ingressar com
ação judicial para reivindicar
um medicamento novo ou que
atua junto ao governo para a introdução do remédio no SUS
seja financiada pela indústria
que fabrica esse remédio."
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