São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Testemunhas dizem que militares já haviam entregue outros jovens a inimigos

DENISE MENCHEN
DA SUCURSAL DO RIO

Mototaxistas que trabalham ao lado da Companhia de Comando do Exército, na rua Santo Cristo, afirmaram ontem à Folha que militares já tinham levado dois moradores do morro da Providência para outra favela, há cerca de três meses.
Segundo eles, na ocasião, os homens foram transportados até um acesso da comunidade Roquete Pinto, dominada por uma milícia, depois de detidos no quartel.
"Soltaram eles [sic] na avenida Brasil e mandaram correr em direção à favela", disse o mototaxista Ricardo Afonso Aída, 40. "Eles foram correndo, e, quando viram que a viatura tinha ido embora, deram meia volta. Por sorte não foram pegos." Segundo o mototaxista, os dois homens são conhecidos pelos apelidos Noveleiro e Batata. A Folha não conseguiu localizá-los ontem.
Com ponto fixo na rua Santo Cristo, ao lado de um dos portões de acesso ao quartel, os mototaxistas disseram que era comum os militares aparecerem no local com moradores da Providência. "Eles vêm para cá, dão um chá de cansaço [nos moradores] e depois liberam", disse Raimundo Luiz Nery da Costa, 33, que trabalha no local há pouco mais de quatro anos.
Costa e alguns colegas que trabalhavam no último sábado disseram ter visto a chegada do jipe com os três jovens mortos na Mineira, por volta das 10h. "Nós vimos os rapazes tranqüilos dentro do carro. Quando eles passaram, a gente ainda brincou com eles, e eles acenaram para nós", disse. "Eles achavam que iam ser liberados, como geralmente acontece."
Aída disse que, logo que reconheceu Wellington Gonzaga da Costa Ferreira, 19, o Negão, ligou para a mãe dele, que trabalha na Vila Olímpica da Gamboa, nas proximidades. Segundo ele, Lilian Gonzaga da Costa, conhecida como Teca, chegou ao local em cinco minutos. "Os meninos estavam agachados no chão perto da entrada, mas logo eles [os militares] colocaram um carro atravessado tapando a nossa visão", disse.
Nery afirmou que, cerca de meia hora depois, conseguiu ver os jovens sendo colocados em um caminhão do Exército. Questionados pela mãe para onde iriam levá-los, os militares teriam dito que iam para a 4ª DP. Segundo os mototaxistas, o veículo deixou o quartel pela rua Cidade de Lima.
"Sempre que trazem alguém, eles entram e saem por aqui [pela rua Santo Cristo]. Dessa vez, saíram lá por trás", disse Nery. "Se a intenção era liberar os garotos, por que não deram na mão da mãe dele, que estava aqui?", questionou.
Enquanto Lilian se dirigia para a delegacia, o caminhão foi para o morro da Mineira, dominado pela facção ADA (Amigo dos Amigos), rival do Comando Vermelho, que controla a Providência. Moradores da favela confirmaram ter visto a chegada do caminhão do Exército na manhã de sábado.
"Vi seis militares carregando os moleques", contou um morador que pediu anonimato. Segundo ele, cerca de 30 bandidos receberam os jovens, que foram agredidos com socos, chutes e pauladas. "Foi uma covardia o que fizeram com eles."
A entrega ocorreu na área conhecida como Chácara, perto da base do morro. Um dos jovens teria tentado fugir, mas foi capturado. Os bandidos deram um tiro para o alto antes de levá-los para o alto do morro, onde estava o chefe do tráfico, dizem testemunhas.
"O comentário é que o chefe não ficou satisfeito com o que aconteceu", disse um morador, que também não se identificou. "Quando o patrão chegou, um já estava morto", afirmou.
O Exército não se manifestou a respeito das acusações dos mototaxistas.


Texto Anterior: Saiba mais: Exército atua em obra de revitalização
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.