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ANÁLISE
Segurança é um direito, mas mercado se impõe mais rápido
JOSÉ DOS REIS SANTOS FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O bairro já não é o mesmo.
Higienópolis viu edifícios comerciais e residenciais substituírem palacetes.
Hoje, a criminalidade ativa um sentimento de insegurança há muito conhecido
por habitantes de outras regiões da cidade.
Mexeu também em sua
paisagem, integrando seus
quarteirões a iniciativas que
incluem o arame farpado, os
muros altos e os cachorros
assustadores. Tornou-o frequentador do "mercado de
blindagem arquitetônica".
A blindagem cresce em ritmo superior a 30% ao ano. É
capaz de equipar um escritório, uma fábrica, uma residência, uma estação de metrô ou um estádio.
Sua vitrine mais importante é um edifício totalmente
blindado. Junto com os segmentos de segurança privada e transporte de valores, é
responsável por um faturamento que ultrapassa a casa
dos dez dígitos.
É um mercado que pretende suprir uma necessidade e
um vazio.
No primeiro polo, a urgência na prevenção e repressão
a ocorrências como assaltos
a escolas e lojas, assassinatos em locais públicos, reféns, roubos em apartamentos. Enfim, o combate ao
crescimento de registros criminais estimado, para Higienópolis, em 25% só na passagem de 2008 para 2009.
No segundo, uma descrença na capacidade da polícia e
das esferas governamentais.
Entre um e outro, um sentimento de insegurança que,
ao lado de incrementar a indústria e o comércio da segurança, exacerba um dado da
realidade e desloca um foco
de atuação.
Em 2007, estimamos que
5,23% da população de São
Paulo teria sido vítima de situações de criminalidade.
No mesmo ano, 16% dos
paulistanos informavam ao
Datafolha que a segurança
era um de seus principais
problemas.
Deixada de lado a subnotificação, a cada três pessoas
que percebiam o crime como
preocupação, uma, efetivamente, viveu a experiência
da criminalidade.
Na comparação, a sugestão de que o sentimento de
insegurança está sempre ancorado nas esferas da realidade cotidiana, mas, aparentemente, ampliado por um
imaginário alimentado pela
mídia e por narrativas partilhadas em círculos de sociabilidade.
Ainda que exacerbado, o
medo, portanto, não surge
do nada. Deu origem, no entanto, a uma ação que (re)afirma o indivíduo enquanto
consumidor.
Se a segurança é um direito, a ação pública frente ao
Estado deveria garanti-lo.
Mas o acesso ao mercado de
blindados e à segurança privada se impõe muito mais rápida e, algumas vezes, eficazmente, que as forças policiais. Mesmo que a paisagem
e a qualidade de vida no bairro e na cidade mudem significativamente.
JOSÉ DOS REIS SANTOS FILHO é
coordenador do Núcleo de Estudos sobre
Situações de Violência e Políticas
Alternativas da Unesp
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