São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 2010

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ANÁLISE

Segurança é um direito, mas mercado se impõe mais rápido

JOSÉ DOS REIS SANTOS FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O bairro já não é o mesmo. Higienópolis viu edifícios comerciais e residenciais substituírem palacetes. Hoje, a criminalidade ativa um sentimento de insegurança há muito conhecido por habitantes de outras regiões da cidade.
Mexeu também em sua paisagem, integrando seus quarteirões a iniciativas que incluem o arame farpado, os muros altos e os cachorros assustadores. Tornou-o frequentador do "mercado de blindagem arquitetônica".
A blindagem cresce em ritmo superior a 30% ao ano. É capaz de equipar um escritório, uma fábrica, uma residência, uma estação de metrô ou um estádio. Sua vitrine mais importante é um edifício totalmente blindado. Junto com os segmentos de segurança privada e transporte de valores, é responsável por um faturamento que ultrapassa a casa dos dez dígitos. É um mercado que pretende suprir uma necessidade e um vazio.
No primeiro polo, a urgência na prevenção e repressão a ocorrências como assaltos a escolas e lojas, assassinatos em locais públicos, reféns, roubos em apartamentos. Enfim, o combate ao crescimento de registros criminais estimado, para Higienópolis, em 25% só na passagem de 2008 para 2009. No segundo, uma descrença na capacidade da polícia e das esferas governamentais.
Entre um e outro, um sentimento de insegurança que, ao lado de incrementar a indústria e o comércio da segurança, exacerba um dado da realidade e desloca um foco de atuação.
Em 2007, estimamos que 5,23% da população de São Paulo teria sido vítima de situações de criminalidade. No mesmo ano, 16% dos paulistanos informavam ao Datafolha que a segurança era um de seus principais problemas.
Deixada de lado a subnotificação, a cada três pessoas que percebiam o crime como preocupação, uma, efetivamente, viveu a experiência da criminalidade. Na comparação, a sugestão de que o sentimento de insegurança está sempre ancorado nas esferas da realidade cotidiana, mas, aparentemente, ampliado por um imaginário alimentado pela mídia e por narrativas partilhadas em círculos de sociabilidade.
Ainda que exacerbado, o medo, portanto, não surge do nada. Deu origem, no entanto, a uma ação que (re)afirma o indivíduo enquanto consumidor. Se a segurança é um direito, a ação pública frente ao Estado deveria garanti-lo.
Mas o acesso ao mercado de blindados e à segurança privada se impõe muito mais rápida e, algumas vezes, eficazmente, que as forças policiais. Mesmo que a paisagem e a qualidade de vida no bairro e na cidade mudem significativamente.

JOSÉ DOS REIS SANTOS FILHO é coordenador do Núcleo de Estudos sobre Situações de Violência e Políticas Alternativas da Unesp



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