São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 2006

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Ameaça faz agente dormir no presídio

Com medo de ser assassinado -sua morte está encomendada por R$ 950-, trabalhador não vê a família há mais de uma semana

De acordo com sindicato da categoria, situações parecidas ocorrem em ao menos quatro unidades prisionais da capital paulista


RICARDO GALLO
DA REPORTAGEM LOCAL

A morte do agente penitenciário Bernardo (nome fictício), 40, vale R$ 950 entre os criminosos de um bairro pobre da zona norte de São Paulo. Por isso, a sala de um CDP (Centro de Detenção Provisória) da zona leste se tornou, há mais de uma semana, a nova casa dele. "Se eu voltar [para a casa da família], é para morrer."
Bernardo não está só, segundo o Sifuspesp (Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo). O fenômeno de agentes que passam a viver nas prisões ocorre em pelo menos quatro unidades prisionais da capital. Desde o dia 12 de maio, 15 deles foram assassinados no Estado, em ações atribuídas ao PCC.
Há 12 anos no sistema prisional, casado, pai de três filhos, salário de R$ 1.800 mensais, o agente disse nunca ter se sentido tão ameaçado. "Você fica longe da família, longe da mulher, não pode voltar para a sua casa, enquanto o bandido faz o que quer."
Ele soube no último dia 6, por meio de um amigo, que se tornara alvo dos criminosos. "Um conhecido meu ouviu quando dois homens do PCC conversavam com alguém, provavelmente da prisão, por celular. Eles disseram que havia dois agentes na área e que era para "fazer a cena" [matar]." O informante estava em uma lotação na zona norte.
No dia seguinte, sexta, outro amigo o avisou: o bairro estava com integrantes do PCC à caça da "malandragem", criminosos locais. Buscavam identificar a casa de agentes penitenciários moradores da região. Os R$ 950 eram o quanto a facção pagaria pelo assassinato. Ele soube por celular quando estava no "bico" -faz segurança para um estabelecimento comercial. "Nem voltei para casa."
Aquela foi a última vez que Bernardo foi à casa onde vive há 12 anos. Pediu autorização para a direção da unidade e se mudou, com um pacote de roupas, pasta e escova de dentes, toalha, sapato e um colchonete, para o CDP. Ele dorme sobre uma mesa improvisada com um colchonete. Às vezes, em um sofá. Toma banho no vestiário da prisão e faz as refeições lá mesmo. Embora seja proibido de fazê-lo, Bernardo anda armado. Ele não faz idéia de quando voltará para casa.

Mais seguros
O sindicato dos agentes não fala em números ("questão de segurança"), mas diz não serem poucos os casos de agentes confinados em unidades prisionais. "Em boa parte das unidades, os funcionários têm mais segurança dentro das cadeias do que fora delas", afirma Luiz da Silva Filho, diretor do Sifuspesp. A direção das unidades não oferece resistências, avalia ele, porque vê como vantajosa a presença de um agente a mais para fazer o trabalho.
Outras medidas tomadas comumente pelos agentes no período sob ameaça são enviar a família para casa de parentes e trocar de casa. "Estão metralhando várias casas de agentes. Não vou falar a cidade para evitar problemas futuros, mas acontece."
A Folha procurou a Secretaria da Administração Penitenciária, mas a pasta informou, por meio da assessoria, não saber oficialmente de agentes que dormem nas unidades.


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