São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Obrigatório, antifurto está sujeito a adulterações

Sistema é fraudado com técnicas simples; massificação pode agravar problema

Perda de sinal em lugares fechados, ação de ladrões para bloquear transmissão de dados e clonagem são previstas por especialistas

DANIEL BERGAMASCO
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

O dispositivo antifurto obrigatório para todos os veículos saídos de fábrica a partir de agosto de 2009 pode ser fraudado com certa facilidade por ladrões, afirmam especialistas e profissionais do ramo.
A vulnerabilidade existente hoje ainda tende a se agravar com a padronização da tecnologia que deve ser feita pelo governo federal neste semestre e a massificação do produto.
Mais: os próprios estudos que embasaram a nova exigência prevêem que ela só terá eficácia se forem adotadas ações complementares pelos órgãos de trânsito, e há até uma projeção de clonagem de equipamentos que pode prejudicar a fiscalização de até 2,4% dos veículos procurados nos principais centros, como São Paulo. Pela resolução 245 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), publicada neste mês, veículos só poderão ser vendidos se já tiverem instalado esse equipamento para rastreamento e bloqueio à distância.
Caberá ao motorista decidir se quer pagar uma taxa mensal de manutenção do serviço, mas haverá um custo compulsório: os carros ficarão mais caros.
Hoje os dispositivos podem custar até R$ 2.000, mas a projeção é que, em escala, eles possam sair próximos de R$ 150. A exigência se tornou mais polêmica diante dos questionamentos sobre as deficiências dessa tecnologia. A medida cumprirá sua missão? "Provavelmente muito pouco. O aparelho não será grande problema para ladrões "profissionais'", avalia Francisco Javier Ramirez Fernandez, professor do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP.
"É tecnicamente muito fácil localizar onde ele está dentro do carro e bloquear a transmissão do sinal." Fernandez afirma que objetos caseiros são usados para desarmar esse sistema.
Para ele, a instalação em massa do aparelho e sua padronização vão facilitar a ação de criminosos. "Se há uma tecnologia padrão, fica ainda mais fácil descobrir como desarmá-la.
E, se os aparelhos estiverem sempre no mesmo local, sua retirada fica ainda mais fácil." Profissionais do setor de rastreamento também reconhecem as deficiências -que vão da possibilidade de bloquear a transmissão de dados até à queda de sinal em lugares fechados, como garagens e túneis.
"Sim, existe a possibilidade de camuflar", diz Pedro Barrachina, engenheiro que é coordenador técnico do Cesvi Brasil, centro de pesquisa associado a empresas do ramo. "Mas, mesmo que não impeça todos os roubos e furtos, haverá impacto no número total."
Elcio Fernandes, diretor de mídia da rastreadora Car System, diz que a empresa não consegue rastrear os veículos em 1,5% dos casos e bloqueá-los em 8%. "Mas é basicamente porque os clientes demoram para entrar em contato ou não fazem os testes [periódicos recomendados pela empresa]."
O físico Dario Sassi Thober, diretor do Centro de Pesquisas Avançadas Wernher von Braun, contratado pelo governo para preparar estudos que embasaram a exigência, admite as falhas, mas ressalta haver um caráter inibidor no sistema.
"A eficiência depende da infra-estrutura montada em volta", afirma Thober, acrescentando que a medida terá que ser acompanhada da instalação já anunciada de chips em toda a frota, inclusive de usados, nos próximos quatro anos -exigência que pode adicionar mais uma despesa aos motoristas.
Isso porque os veículos que tiverem seus dispositivos antifurto bloqueados ou retirados por ladrões terão que ser barrados a partir da fiscalização por antenas ou radares de leitura de placas a ser instalados em conjunto com os chips.
O físico avalia que a clonagem do chip é "saudável". "É até bom que tenha, mas de forma controlada. Sem isso, não há estímulo à evolução tecnológica."
Mesmo com vulnerabilidades, os defensores da medida alegam que haverá redução de furtos e roubos e aumento de recuperação dos veículos -a dúvida é se em patamares que justifiquem a obrigatoriedade.
Hoje pouco menos de metade dos 380 mil veículos furtados ou roubados por ano são recuperados. A taxa cresce para os rastreados: entre assegurados pela Porto Seguro, ela é de 75% -mas já foi de 96%. "O custo adicional é pequeno diante dos benefícios esperados", opina Geraldo Viana, presidente da NTC e Logística (que reúne transportadoras).
Márcio Ribeiro de Moura, 36, ganhou, em primeira instância, processo contra a Car System.
"Minha moto tinha rastreador.
Quando foi roubada, não conseguiram localizar." O episódio aconteceu há cinco anos. "O rastreador estava muito bem preso. Eu nem pagava seguro."
O Procon-SP registra três reclamações mensais contra fabricantes de aparelhos de rastreamento -tanto por falhas quanto problemas contratuais. A Volkswagen incluiu o dispositivo antifurto no Golf em 2005 e, em março deste ano, anunciou a extensão para outros modelos. Voltou atrás, diz, porque poucos se interessavam na habilitação do sistema.


Colaboraram EDSON VALENTE E BRUNA MARTINS FONTES, da Redação, ROSÂNGELA DE MOURA, Colaboração para a Folha, e JULIANNA SOFIA, da Sucursal de Brasília


Texto Anterior: Rio de Janeiro: Polícia prende suspeito de seqüestrar bebê

Próximo Texto: Lobby por lei começou no transporte de cargas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.