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VIOLÊNCIA
Policiais relatam métodos de tortura e assassinato de suspeitos
LILIAN CHRISTOFOLETTI
da Reportagem Local
MÁRIO MAGALHÃES
enviado especial a Belém
Depoimentos de um policial militar e de
um policial civil à Folha descrevem o assassinato de suspeitos de cometer crimes em São
Paulo e métodos de tortura empregados numa delegacia de Belém (PA).
O soldado de um batalhão da PM na capital
paulista conta ter cumprido três vezes determinação de matar bandidos feridos antes de
levá-los ao hospital. O PM afirma que o comando autorizara usar arma fria (não registrada na corporação) para assassinar e que o
camburão deveria andar devagar para que a
eventual hemorragia do detido tornasse impossível reanimá-lo.
O investigador de uma delegacia de Belém
narrou na primeira pessoa espancamentos e
sessões de tortura com palmatória. Também
disse usar máquinas de choque para obter
confissões e castigar suspeitos.
Os dois policiais só aceitaram falar sobre os
crimes -homicídio e tortura- cometidos
por eles com a condição de não ter a identidade revelada. Ambos depoimentos foram gravados.
A Folha publica os relatos, apesar do anonimato dos depoentes, por considerá-los relevantes para o interesse público, ao registrar
práticas ilegais ainda implementadas no Brasil. O jornal checou com outros policiais e
pessoas dados citados pelos entrevistados e
confirmou haver consistência nos depoimentos.
Devido ao anonimato, as referências que
implicavam terceiros em crimes foram suprimidas, assim como a localização do batalhão
e da delegacia onde os policiais comprovadamente trabalham.
O policial militar
Paulo (nome fictício) deixou morrer
três supostos criminosos dentro de seu
carro da PM, porque, segundo ele, seguiu as orientações de seu comando. Em entrevista gravada, ele diz que o procedimento é comum entre os policiais militares.
Para provocar a morte do suposto criminoso socorrido, Paulo
diz que o carro da PM dá voltas
por São Paulo até que a pessoa
morra em decorrência da hemorragia. Se assim não se consegue o
resultado esperado, dá-se um tiro
de misericórdia, segundo a versão
do policial.
Entre as vítimas socorridas e
que, segundo ele, não devem chegar com vida ao hospital, estão
pessoas que trocaram tiros com
policiais e outras encontradas feridas. Nesse caso, a avaliação de
quem é criminoso é "visual".
"O bandido a gente conhece pelas tatuagens e pela roupa que ele
usa. É só bater o olho e eu sei se o
cara deve ou não", afirma.
Leia trechos da entrevista:
Folha - Havia uma orientação
de seu comando com relação a
criminosos socorridos em carros
da Polícia Militar?
PM - Ele (oficial superior) dizia
que, se por ventura algum elemento chegasse baleado e vivo no
hospital, a guarnição ia se ver com
ele. Isso, depois que o bandido era
socorrido -do local você sai rápido com o carro porque tem
gente olhando.
Dependendo do horário, se é
noite ou não, depois que sai do local, você vai devagar, a 20, 10 km
por hora. Se percebesse ainda que
o indivíduo estava vivo, aí você
dava um tiro de misericórdia com
uma arma fria, para ter certeza de
que ele não chegasse vivo ao PS
(pronto-socorro).
Folha - O uso da arma fria é
permitido?
PM - Não, de forma alguma.
Mas era permitido em alguns casos. Ele (oficial superior) dizia que
a gente podia usar esse procedimento que ele segurava. Como, a
gente não sabe.
Folha - Como era o controle do
comando de quem chegava vivo
ou de quem morria?
PM - Por meio do relatório feito
pelos oficiais, dos oficiais que trabalham na rua, que comandam a
tropa na rua. É um relatório diário
por turno de serviço.
Folha - Os policiais tinham de
matar o criminoso antes que ele
chegasse ao hospital?
PM - Depende da situação. A
maioria das pessoas que eu socorri chegou viva. Poucos chegaram
em estado de óbito.
Folha - Em algum desses casos, o óbito foi provocado pela
polícia? Você participou?
PM - Já, isso daí, sim. Já socorri o
cara ferido. Ele vai agonizando,
né. Porque, dependendo do lugar
onde o tiro pegou, não mata rapidamente, mas provoca uma hemorragia. Então, quanto mais você demora (para chegar ao hospital), maior vai ser essa hemorragia. Praticamente, a pessoa chega
ao hospital sem condições de ser
reanimada.
Folha - O ferido já chegou a
perceber a demora e pediu ajuda a vocês?
PM - Ah, já, já, isso sim. A gente
não falava nada, só dizia que o dia
dele havia chegado, né.
Folha - De quantos casos como
esse você já participou?
PM - Acho que de pelo menos
três, mas, assim, o nome, a pessoa,
eu não consigo lembrar. É difícil.
A maioria eram pessoas que a
gente pegava na rua durante o patrulhamento. Você olha, não sabe
se a pessoa está viva ou não, então, a prioridade é socorrer. Você
coloca na viatura e a gente já conhece se é bandido. Se é bandido,
a ordem é não chegar vivo.
Folha - É possível checar no local se a vítima tem antecedente
criminal?
PM - Não, não.
Folha - Como vocês sabem que
é um criminoso que está sendo
socorrido?
PM - Ah, normalmente são pessoas próximas à área de tráfico.
São muitas, né. A gente já conhece. São pessoas tarimbadas, marginais que a gente já conhece, mas
a Justiça não se preocupa em
manter essa pessoa presa. O bandido a gente conhece pelas tatuagens e pelas roupas que usa. O
"avião", por exemplo, normalmente usa bermuda, óculos escuro, boné e roupa de marca. Tenho
experiência de rua. É só bater o
olho e eu sei se o cara deve ou não.
Folha - Quando socorre, você
aciona o Copom (Centro de
Operações da Polícia Militar)?
PM - Não na hora. Quando você
aciona o Copom, você tem cinco
minutos para chegar ao PS, (a
contar) da hora em que você está
socorrendo até o hospital mais
próximo. Só que é feito o seguinte:
a gente só avisa quando está em
frente ao hospital.
Folha - Vocês deveriam avisar
assim que a pessoa é socorrida?
PM - É. Assim que a pessoa entra no carro, deveríamos ligar para o Copom. O normal seria sair
do local e ligar o sinal luminoso e
sinal sonoro. É uma questão de
prioridade. A gente teria que chegar em cinco minutos ao PS mais
próximo. Quando a gente vai avisar, o sistema pára para receber
sua informação.
Folha - E se não chegar em cinco minutos?
PM - Daí é apurado por que você demorou. Dá tempo de chegar.
Você está em uma situação de
emergência, com um viatura caracterizada, com sinal luminoso e
com sinal sonoro, tudo ligado.
Quer dizer, todo mundo vai sair
da frente para você passar. Então,
em princípio, dá para chegar em
cinco minutos.
Folha - No caso de socorrer um
criminoso, quanto tempo demora até chegar ao hospital?
PM - 20 ou 25 minutos. O tempo
necessário. A gente ficava rodando, com o sinal giroflex (luminoso
sobre o veículo da polícia) desligado. Quando a família sabe que o
cara que foi baleado é bandido, ela
mesma socorre.
Comigo já aconteceu isso aí.
Não deixaram a gente socorrer,
porque sabiam que a polícia ia demorar para que a pessoa chegasse
em estado de óbito. Folha - No
hospital, nunca ninguém desconfiou de nada?
PM - É difícil, porque a nossa
área é muito violenta. Existem
muitas favelas em nossa área. São
pessoas muito carentes e sem infra-estrutura. Então, quando chega uma pessoa baleada, dependendo da situação -sabe, moreno e de tatuagem, aquela coisa
que pode ser um marginal, um
traficante- as pessoas não estão
nem aí. Você chega (ao hospital),
os médicos tentam reanimar. Daí
vem o médico e vê que o cara já
entrou em óbito. Você pega a papeleta, vai para a delegacia e faz
um BO (Boletim de Ocorrência)
de homicídio.
Folha - Você se arrepende de
deixar um criminoso morrer em
seu carro, quando você deveria
socorrê-lo?
PM - É assim. Como era bandido, se ficasse vivo, ia trazer mais
transtornos para a gente. Ia roubar, matar, estuprar. Então, estando morto o cara não dá trabalho.
(LILIAN CHRISTOFOLETTI)
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