São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2001

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JUSTIÇA

Juiz que deu sentença inicial obrigando a União a indenizar tribo em R$ 1 mi é pai de rapaz que ateou fogo em pataxó

Decisão inédita dá indenização a índios

SANDRA BRASIL
DA REPORTAGEM LOCAL

Chegou ao fim o primeiro processo em que a União foi condenada pela Justiça a pagar indenização por danos morais a índios. O autor da sentença inicial, que acabou de ganhar caráter definitivo, é o juiz da 7ª Vara Federal de Brasília, Novély Vilanova da Silva Reis, 51. Ele é o pai de Antônio Novély, 24, um dos quatro rapazes condenados, no dia 10, a 14 anos de prisão pela morte do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos no dia 20 de abril de 1997.
Os índios beneficiados são da etnia panará, que vivem em reserva localizada entre Mato Grosso e Pará. Eles vão receber aproximadamente R$ 1 milhão de indenização. A liberação do dinheiro só deverá ocorrer em 2003, mas ainda depende de uma nova ação. A Advocacia Geral da União (AGU) desistiu de apresentar recurso, e o caso foi encerrado em setembro.
Em outubro de 1997 -seis meses depois que Antônio Novély e outros quatro jovens atearem fogo no índio Galdino-, o juiz Novély Reis julgou que o Estado é culpado pela degradação social dos panarás -também conhecidos por Kreen-Akarôre e por "índios gigantes"- e pelas mortes de 175 índios provocadas pela construção da rodovia BR-163 (Santarém/PA-Cuiabá/ MT) em território indígena no início da década de 70.
Quando a rodovia atravessou o território indígena, de acordo com a decisão judicial, "agentes públicos não adotaram providências vigorosas para proteger a comunidade dos panarás". O juiz afirma ainda que o Estado tinha "o dever legal de proteger os índios" e que "faltou determinação para isso". Segundo o juiz, o Estado deve "pagar o preço da indecisão ou da ineficiência".
A Justiça concluiu que os índios panarás morreram porque contraíram diversas doenças, principalmente gripe e diarréia, no contato com os trabalhadores da obra e com os garimpeiros, que invadiram o território indígena em busca de ouro e diamantes.
Em janeiro de 1975, os 79 panarás que restaram foram transferidos de avião para o parque indígena do Xingu. Após sete mudanças no Xingu, os índios retornaram, entre 1995 e 1996, para o território que ocupavam antes da construção da estrada.

Massacrados
Na sentença judicial, há um testemunho do sertanista Orlando Villas Bôas, que participou da equipe de brancos que fez os primeiros contatos com os panarás em 1973.
No documento, o sertanista afirmou que a remoção dos panarás para o Xingu foi um "movimento salvatório" porque, um ano depois dos primeiros contatos com os brancos, os índios teriam sido reduzidos de 240 para 80. "Estavam morrendo de fome, totalmente abandonados e massacrados por uma invasão incontida", afirma o sertanista.
Na sentença, o juiz diz: "Consta inclusive que servidores da Funai mantiveram relações sexuais com índias menores, introduziram práticas homossexuais entre homens e difundiram o hábito de consumo de bebidas alcoólicas".
Hoje, existem 223 índios na reserva panará de 494 mil hectares, localizada entre Guarantã do Norte (MT) e Altamira (PA).
O processo movido pelos panarás tramitava na Justiça desde 1994 e transitou em julgado depois que a AGU desistiu de recorrer para tentar retardar o cumprimento da decisão. O governo concluiu que não teria chances de mudar o mérito da decisão judicial. De acordo com o advogado-geral, Gilmar Mendes, qualquer recurso só serviria para adiar o encerramento do caso. Há um parecer na AGU que embasa a decisão de Mendes.
"Avaliei que não valia a pena recorrer. O valor da indenização não é desmesurado, e um recurso só teria o propósito de alongar o processo", disse Mendes.
A União e a Funai (Fundação Nacional do Índio) tentaram barrar o processo até agosto deste ano, quando o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região recusou o último recurso. O tribunal manteve com uma pequena alteração a decisão de Vilanova, que condenou a União e a Funai no primeiro processo por danos morais contra índios.
"É a primeira vez que o Estado é condenado em razão de erros cometidos pela política indigenista no passado", disse a advogada Ana Valéria Araújo, do Instituto Socioambiental, uma organização não-governamental que dá assistência aos panarás.

Nova ação
O TRF manteve a indenização de 4.000 salários mínimos, com juros e correção monetária, arbitrada pelo juiz da 7ª Vara Federal, mas retirou a pensão mensal de dois salários mínimos por cada um dos 175 panarás mortos.
Concluído o processo por danos morais, os índios iniciam nesta semana uma nova ação judicial. Os advogados das vítimas vão entrar na 7ª Vara Federal com um processo de execução da indenização para receber o dinheiro da indenização, calculada por eles em R$ 1,119 milhão.
Se a União não contestar o valor, a Justiça emitirá os precatórios em favor dos panarás para ser incluído no Orçamento Geral da União de 2003, quando o pagamento deverá ser efetuado.


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