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JUSTIÇA
Juiz que deu sentença inicial obrigando a União a indenizar tribo em R$ 1 mi é pai de rapaz que ateou fogo em pataxó
Decisão inédita dá indenização a índios
SANDRA BRASIL
DA REPORTAGEM LOCAL
Chegou ao fim o primeiro processo em que a União foi condenada pela Justiça a pagar indenização por danos morais a índios.
O autor da sentença inicial, que
acabou de ganhar caráter definitivo, é o juiz da 7ª Vara Federal de
Brasília, Novély Vilanova da Silva
Reis, 51. Ele é o pai de Antônio
Novély, 24, um dos quatro rapazes condenados, no dia 10, a 14
anos de prisão pela morte do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos no dia 20 de abril de 1997.
Os índios beneficiados são da
etnia panará, que vivem em reserva localizada entre Mato Grosso e
Pará. Eles vão receber aproximadamente R$ 1 milhão de indenização. A liberação do dinheiro só
deverá ocorrer em 2003, mas ainda depende de uma nova ação. A
Advocacia Geral da União (AGU)
desistiu de apresentar recurso, e o
caso foi encerrado em setembro.
Em outubro de 1997 -seis meses depois que Antônio Novély e
outros quatro jovens atearem fogo no índio Galdino-, o juiz Novély Reis julgou que o Estado é
culpado pela degradação social
dos panarás -também conhecidos por Kreen-Akarôre e por "índios gigantes"- e pelas mortes
de 175 índios provocadas pela
construção da rodovia BR-163
(Santarém/PA-Cuiabá/ MT) em
território indígena no início da
década de 70.
Quando a rodovia atravessou o
território indígena, de acordo
com a decisão judicial, "agentes
públicos não adotaram providências vigorosas para proteger a comunidade dos panarás". O juiz
afirma ainda que o Estado tinha
"o dever legal de proteger os índios" e que "faltou determinação
para isso". Segundo o juiz, o Estado deve "pagar o preço da indecisão ou da ineficiência".
A Justiça concluiu que os índios
panarás morreram porque contraíram diversas doenças, principalmente gripe e diarréia, no contato com os trabalhadores da obra
e com os garimpeiros, que invadiram o território indígena em busca de ouro e diamantes.
Em janeiro de 1975, os 79 panarás que restaram foram transferidos de avião para o parque indígena do Xingu. Após sete mudanças no Xingu, os índios retornaram, entre 1995 e 1996, para o território que ocupavam antes da
construção da estrada.
Massacrados
Na sentença judicial, há um testemunho do sertanista Orlando
Villas Bôas, que participou da
equipe de brancos que fez os primeiros contatos com os panarás
em 1973.
No documento, o sertanista
afirmou que a remoção dos panarás para o Xingu foi um "movimento salvatório" porque, um
ano depois dos primeiros contatos com os brancos, os índios teriam sido reduzidos de 240 para
80. "Estavam morrendo de fome,
totalmente abandonados e massacrados por uma invasão incontida", afirma o sertanista.
Na sentença, o juiz diz: "Consta
inclusive que servidores da Funai
mantiveram relações sexuais com
índias menores, introduziram
práticas homossexuais entre homens e difundiram o hábito de
consumo de bebidas alcoólicas".
Hoje, existem 223 índios na reserva panará de 494 mil hectares,
localizada entre Guarantã do
Norte (MT) e Altamira (PA).
O processo movido pelos panarás tramitava na Justiça desde
1994 e transitou em julgado depois que a AGU desistiu de recorrer para tentar retardar o cumprimento da decisão. O governo
concluiu que não teria chances de
mudar o mérito da decisão judicial. De acordo com o advogado-geral, Gilmar Mendes, qualquer
recurso só serviria para adiar o
encerramento do caso. Há um parecer na AGU que embasa a decisão de Mendes.
"Avaliei que não valia a pena recorrer. O valor da indenização
não é desmesurado, e um recurso
só teria o propósito de alongar o
processo", disse Mendes.
A União e a Funai (Fundação
Nacional do Índio) tentaram barrar o processo até agosto deste
ano, quando o Tribunal Regional
Federal (TRF) da 1ª Região recusou o último recurso. O tribunal
manteve com uma pequena alteração a decisão de Vilanova, que
condenou a União e a Funai no
primeiro processo por danos morais contra índios.
"É a primeira vez que o Estado é
condenado em razão de erros cometidos pela política indigenista
no passado", disse a advogada
Ana Valéria Araújo, do Instituto
Socioambiental, uma organização não-governamental que dá
assistência aos panarás.
Nova ação
O TRF manteve a indenização
de 4.000 salários mínimos, com
juros e correção monetária, arbitrada pelo juiz da 7ª Vara Federal,
mas retirou a pensão mensal de
dois salários mínimos por cada
um dos 175 panarás mortos.
Concluído o processo por danos morais, os índios iniciam nesta semana uma nova ação judicial.
Os advogados das vítimas vão entrar na 7ª Vara Federal com um
processo de execução da indenização para receber o dinheiro da
indenização, calculada por eles
em R$ 1,119 milhão.
Se a União não contestar o valor, a Justiça emitirá os precatórios em favor dos panarás para ser
incluído no Orçamento Geral da
União de 2003, quando o pagamento deverá ser efetuado.
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