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GILBERTO DIMENSTEIN
A Casa dos Executivos
Responda rápido: qual a
cor dos olhos de sua mulher?
A pergunta faz parte de um
questionário entregue a 50 executivos para testar o conhecimento
sobre detalhes e hábitos de suas
mulheres.
Não foram poucos os que, além
dos olhos, desconheciam também
a cor do cabelo, hobbies, comidas
ou músicas preferidas de suas
companheiras.
Consequência óbvia da indiferença que ataca casais, a ignorância sobre detalhes tão elementares
conta como pessoas tão próximas
tornam-se, paradoxalmente, tão
distantes.
Nessa distância tão próxima
são construídos o inferno familiar, as estatísticas de separação e
a sensação de abandono dos filhos. As distâncias ficam mais notáveis quando se comparam os
questionários dos executivos com
os de seus filhos e mulheres, também convidados a responder sobre os mesmos tópicos.
O objetivo desse teste tem pouco
a ver com interesse pela vida conjugal, mas com a performance
profissional dos executivos que, se
submetidos a uma carga demasiada de estresse, acabam, mais
cedo ou mais tarde, se tornando
improdutivos e ficando doentes.
Cor dos olhos é só um indício
para se tentar saber sobre a deterioração de um indivíduo; muitos
vivem em lares cheio de conflitos,
diferentes dos apresentados na
"Casa dos Artistas", do SBT, apenas pela ausência de câmeras -e
pela falta, no final, de um prêmio
em dinheiro.
Responsável pela sabatina afetiva, a assistente social Cecília Shibuya, presidente da Associação
Brasileira de Qualidade de Vida,
é chamada rotineiramente por
grandes empresas para medir a
saúde mental e física de executivos e de funcionários; a partir daí,
montam-se programas de prevenção.
Nas pesquisas, sempre aparece
o retrato, especialmente na cúpula da hierarquia, de seres prensados pelas obrigações, que fizeram
do tempo um inimigo e da vida,
uma agenda de compromissos.
Nenhuma novidade: basta ver a
incidência de infartos e derrames
entre pessoas muito agitadas, tensas e ansiosas, que não se cuidam,
não têm tempo para ir ao médico,
descansar ou passear - justamente nesse segmento detecta-se,
com mais facilidade, a chamada
"síndrome do lazer", a incapacidade de relaxar, apresentada hoje
na Folha.
Mas, neste ano, Cecília colheu
dados que revelam um monumental agravamento da pressão
psicológica daqueles tidos como
exemplo de sucesso profissional.
Vida pessoal tumultuada é somente mais um aspecto desse
massacre.
Neste semestre, 211 executivos,
desobrigados de se identificarem,
responderam a um exame de testes sobre as pressões que os atingem. "A pressão está piorando.
Piorou especialmente neste ano",
suspeita Cecília.
Em um dos tópicos, eles deveriam relacionar quais os sinais de
estresse que detectam em suas vidas pessoal, profissional e familiar: 85% reclamaram da sobrecarga de trabalho, da dificuldade
em administrar o tempo e de
acompanhar o crescimento dos filhos. Para 80%, existe insegurança para tomar decisões.
Os efeitos da insegurança aparecem, dramaticamente, num
item: 75% admitiram que excedem no fumo ou na bebida.
Foram, então, convidados a listar aspectos que precisam ser melhorados para atingir mais qualidade de vida. Entre outras respostas, 37% disseram diminuir a bebida; 29% querem ter o sono mais
tranquilo e 27% anseiam um ambiente familiar menos tenso.
Os detalhes do massacre surgem
com ainda mais transparência
quando os executivos falam sobre
os sintomas sentidos ultimamente. Pela ordem: ansiedade (15%),
esquecer coisas corriqueiras
(11%), cansaço ao acordar e distúrbio do sono (10%), tensão
muscular/dor na nuca (9%), depressão e angústia (8%), problemas estomacais (6%).
Note-se que esse tipo de pessoa
tem, em geral, dificuldade em assumir fraquezas; sua posição exige firmeza, rapidez, força. O resultado provavelmente é pior.
Quando se pede a tecnocratas,
de fora ou de dentro de um governo, que mostrem os sinais das dores e crises de uma nação, eles falam dos indicadores de crescimento econômico, da balança comercial, da inflação, e por aí em
diante. Dificilmente conseguem
ver os milhões de dramas humanos. A verdade, porém, é que as
tensões deste ano justificam as indicadas na pesquisa dos executivos, todos eles, por função, obrigados mesmo a enfrentar desafios
pesados. Mais desafiados ainda
com os apertos da globalização, o
aumento da competição, a aceleração do ritmo de inovação tecnológica e as fusões de empresas.
O problema é que a taxa de incerteza, mesmo para um país
acostumado a tantas incertezas,
foi além da conta. Pela irresponsabilidade pública, viu-se uma
nação se ajoelhar por causa do
racionamento de energia; acompanhou-se a derrocada da Argentina, na convicção de que iríamos
pagar um preço alto, temor visível
nas oscilações do dólar, e, finalmente, explodiram as torres gêmeas de Nova York.
Nessa incerteza, muita gente
pagou e está pagando com o emprego -e muita gente, com o coração.
PS - Para quem, no feriado, consegue acessar a internet (e, ainda
por cima, quer interromper o lazer, o que, se você for um executivo estressado, francamente não
recomendo), a íntegra da pesquisa está na página do Aprendiz:
www.aprendiz.org.br.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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