Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Será que só o branco pode trabalhar?"
A empregada doméstica Simone Diniz afirma que pensou em desistir de processo porque no Brasil "era só mais um caso'
Para ela, a denúncia não
teria chegado à comissão
de direitos humanos da
OEA se houvesse interesse
no país em apurar o caso
DA REPORTAGEM LOCAL
A empregada doméstica Simone André Diniz tinha 19
anos quando, sozinha, decidiu
denunciar o ato de discriminação racial do qual foi vítima. Telefonou para entidades do movimento negro, foi à polícia.
Mais de nove anos depois, Simone disse que chegou a pensar em desistir da denúncia,
que foi parar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. "Hoje, as pessoas
me agradecem pelo que eu fiz",
disse. A seguir, trechos da entrevista.
(GILMAR PENTEADO)
FOLHA - Por que você resolveu denunciar esse caso?
SIMONE ANDRÉ DINIZ - Ocorrem
muitos casos de racismo, e as
pessoas deixam para lá. Será
que só o branco pode trabalhar? O negro tem de catar papelão na rua? Tem de catar latinha na rua? Mas ter um trabalho digno o negro não pode?
FOLHA - Quando você ligou, achava que poderia mudar a opinião da
autora do anúncio?
SIMONE - Achei que poderia ter
sido um engano. Mas não foi isso. Eles não queriam mesmo.
Não queriam uma pessoa da
pele negra, de jeito nenhum.
FOLHA - Como você se sentiu quando lhe disseram que não queriam
uma empregada negra?
SIMONE - Eu fiquei triste. Se você for numa cadeia, você vai ver
negros, sim. Mas você também
vai ver brancos. As pessoas têm
de ver a capacidade da pessoa.
A cor não quer dizer nada.
FOLHA - Você tinha sido vítima de
racismo semelhante outras vezes?
SIMONE - Eu tinha ido a uma loja com meninas loiras, cabelos
enormes. Estava escrito que estavam precisando de moças. Eu
entrei e, logo que elas me viram, elas falaram que o quadro
já estava preenchido. Aí eu falei: "Então vai tirar aquela plaquinha lá da porta".
FOLHA - E elas tiraram?
SIMONE - Na minha frente, elas
tiraram. Pode ser que depois tenham colocado de novo. Mas,
na minha frente, eu fiz tirar.
FOLHA - Você ficou decepcionada
em relação à apuração do caso no
Brasil?
SIMONE - Fiquei. Porque, para
eles, foi tanto fez como tanto
faz. Para eles, foi só mais um caso. Se eles tivessem mais interesse, não precisaria chegar ao
ponto em que chegou, de ter de
ir para o Exterior. Porque aqui
no Brasil dizem que tudo acaba
em pizza. Infelizmente, o meu
caso acabou em pizza mesmo. É
aquilo: "Vamos arquivar, e está
tudo certo".
FOLHA - Essa decepção fez você
pensar em desistir do caso?
SIMONE - Quatro anos atrás, eu
pensei isso. Os jornalistas me
procuravam, e eu dizia: "Você
me perdoa, mas eu não quero
mais". Fico me expondo, e não
dá em nada. Mas, conversando
com os meus advogados, eu
mudei de idéia.
FOLHA - Depois dessa exposição,
você chegou a ser vítima de outro
ato de discriminação racial?
SIMONE - Não. Mesmo porque
onde eu vou as pessoas brincam comigo e dizem: "Não chama ela de pretinha, não". As
pessoas lembram do que aconteceu, principalmente no bairro onde eu moro.
FOLHA - Mas, quando falam assim,
é com ironia ou respeito?
SIMONE - Respeito. As pessoas
me agradecem pelo que eu fiz.
Porque muitos não teriam coragem de ter feito o que eu fiz.
FOLHA - O que você diria para uma
pessoa que recentemente foi vítima
de racismo?
SIMONE - A pessoa tem de correr atrás dos direitos dela. A
nossa moral em primeiro lugar.
Se aconteceu e não fizer nada,
vai sempre acontecer. As pessoas vão sempre pisar. E eu
acho que ninguém deve ser pisado por ninguém. Ninguém é
melhor do que ninguém.
Texto Anterior: OEA condena Brasil por não punir caso de racismo Próximo Texto: Outro lado: Governo afirma que não houve discriminação Índice
|