São Paulo, sábado, 18 de novembro de 2006

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"Será que só o branco pode trabalhar?"

A empregada doméstica Simone Diniz afirma que pensou em desistir de processo porque no Brasil "era só mais um caso'

Para ela, a denúncia não teria chegado à comissão de direitos humanos da OEA se houvesse interesse no país em apurar o caso

DA REPORTAGEM LOCAL

A empregada doméstica Simone André Diniz tinha 19 anos quando, sozinha, decidiu denunciar o ato de discriminação racial do qual foi vítima. Telefonou para entidades do movimento negro, foi à polícia. Mais de nove anos depois, Simone disse que chegou a pensar em desistir da denúncia, que foi parar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. "Hoje, as pessoas me agradecem pelo que eu fiz", disse. A seguir, trechos da entrevista. (GILMAR PENTEADO)

 

FOLHA - Por que você resolveu denunciar esse caso?
SIMONE ANDRÉ DINIZ
- Ocorrem muitos casos de racismo, e as pessoas deixam para lá. Será que só o branco pode trabalhar? O negro tem de catar papelão na rua? Tem de catar latinha na rua? Mas ter um trabalho digno o negro não pode?

FOLHA - Quando você ligou, achava que poderia mudar a opinião da autora do anúncio?
SIMONE
- Achei que poderia ter sido um engano. Mas não foi isso. Eles não queriam mesmo. Não queriam uma pessoa da pele negra, de jeito nenhum.

FOLHA - Como você se sentiu quando lhe disseram que não queriam uma empregada negra?
SIMONE
- Eu fiquei triste. Se você for numa cadeia, você vai ver negros, sim. Mas você também vai ver brancos. As pessoas têm de ver a capacidade da pessoa. A cor não quer dizer nada.

FOLHA - Você tinha sido vítima de racismo semelhante outras vezes?
SIMONE
- Eu tinha ido a uma loja com meninas loiras, cabelos enormes. Estava escrito que estavam precisando de moças. Eu entrei e, logo que elas me viram, elas falaram que o quadro já estava preenchido. Aí eu falei: "Então vai tirar aquela plaquinha lá da porta".

FOLHA - E elas tiraram?
SIMONE
- Na minha frente, elas tiraram. Pode ser que depois tenham colocado de novo. Mas, na minha frente, eu fiz tirar.

FOLHA - Você ficou decepcionada em relação à apuração do caso no Brasil?
SIMONE
- Fiquei. Porque, para eles, foi tanto fez como tanto faz. Para eles, foi só mais um caso. Se eles tivessem mais interesse, não precisaria chegar ao ponto em que chegou, de ter de ir para o Exterior. Porque aqui no Brasil dizem que tudo acaba em pizza. Infelizmente, o meu caso acabou em pizza mesmo. É aquilo: "Vamos arquivar, e está tudo certo".

FOLHA - Essa decepção fez você pensar em desistir do caso?
SIMONE
- Quatro anos atrás, eu pensei isso. Os jornalistas me procuravam, e eu dizia: "Você me perdoa, mas eu não quero mais". Fico me expondo, e não dá em nada. Mas, conversando com os meus advogados, eu mudei de idéia.

FOLHA - Depois dessa exposição, você chegou a ser vítima de outro ato de discriminação racial?
SIMONE
- Não. Mesmo porque onde eu vou as pessoas brincam comigo e dizem: "Não chama ela de pretinha, não". As pessoas lembram do que aconteceu, principalmente no bairro onde eu moro.

FOLHA - Mas, quando falam assim, é com ironia ou respeito?
SIMONE
- Respeito. As pessoas me agradecem pelo que eu fiz. Porque muitos não teriam coragem de ter feito o que eu fiz.

FOLHA - O que você diria para uma pessoa que recentemente foi vítima de racismo?
SIMONE
- A pessoa tem de correr atrás dos direitos dela. A nossa moral em primeiro lugar. Se aconteceu e não fizer nada, vai sempre acontecer. As pessoas vão sempre pisar. E eu acho que ninguém deve ser pisado por ninguém. Ninguém é melhor do que ninguém.


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