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PASQUALE CIPRO NETO
Sabe quem faz aniversário hoje?
Há exatos 32 anos, foi sancionada a lei 5.765, cujo
texto começa assim: "Aprova alterações na ortografia da língua
portuguesa e dá outras providências". É bom lembrar que a lei resulta de parecer conjunto da Academia Brasileira de Letras e da
Academia das Ciências de Lisboa.
Pois bem, que alterações são essas? A principal delas é esta: "Fica
abolido o acento circunflexo diferencial na letra "e" e na letra "o" da
sílaba tônica das palavras homógrafas de outras em que são abertas a letra "e" e a letra "o", exceção
feita da forma "pôde", que se acentuará por oposição a "pode'".
Entendeu tudo, caro leitor? Talvez seja bom "traduzir". São homógrafas as palavras que têm a
mesma grafia, mas significados
diferentes (o substantivo "colher"
e o verbo "colher", por exemplo).
Até 1971, o substantivo "gosto"
(cujo primeiro "o" é fechado) e a
forma verbal "gosto" (cujo primeiro "o" é aberto) eram diferenciados por um acento circunflexo,
posto no substantivo. O que hoje
se escreve "Não gosto do gosto
dessa fruta" até 1971 se escrevia
"Não gosto do gôsto dessa fruta".
No exemplo que acabamos de
ver, o contexto diferencia claramente o verbo do substantivo. Em
outros casos, no entanto, o contexto pode não bastar. Em títulos
de obras, por exemplo, pode haver
dificuldade para a leitura. É o que
ocorre com o título de um filme
iraniano que entre nós se chamou
"Gosto de Cereja". Como ler?
"Gósto" ou "gôsto"? Sem informações prévias, nada feito.
É por essas e outras que muita
gente ainda lamenta a eliminação do circunflexo diferencial.
Não faço parte desse time, sobretudo porque o emprego desse
acento exigia verdadeiros malabarismos. Quem escrevesse os
substantivos "professora" e "professoras", por exemplo, tinha de
saber que o presente do indicativo
do pouco usual verbo "professorar" apresenta as formas "(tu)
professoras" e "ele/a professora",
que se lêem com o "o" aberto ("tu
professóras", ele/a professóra").
Moral da história: por causa da
ultra-improvável confusão entre
os substantivos e essas inusuais
formas verbais, nossas queridas
professoras eram obrigadas a carregar um circunflexo nas costas.
Embora eu não lamente a eliminação do circunflexo diferencial, penso que seria necessário
aumentar um pouquinho a lista
de exceções. Uma das palavras
que deveriam receber o circunflexo diferencial é "forma" (sinônimo de "molde", "modelo"), que o
"Aurélio" arbitrariamente registra com acento ("fôrma").
Oficialmente, não existe a grafia "fôrma". O texto da lei 5.765 é
claro: "...exceção feita da forma
"pôde", que se acentuará...". Na
prática, porém, muita gente se
rende à necessidade mais do que
patente de diferenciar essa palavra da flexão verbal "forma" (do
verbo "formar") e do substantivo
"forma" (sinônimo de "formato",
"feitio", "configuração"), que se
lêem com o "o" aberto ("fórma").
No dicionário "Houaiss", a palavra "forma" é registrada de
acordo com o sistema ortográfico
vigente, ou seja, sem acento, em
qualquer das suas acepções.
Por fim, é imperativo registrar
que, embora já tenham transcorrido 32 anos da sanção da lei, ainda se vêem muitas palavras grafadas de acordo com o sistema
anterior ("êle", "êste", "môlho",
"sêco", "azêdo", "govêrno", "zêlo", "acôrdo" etc.), o que comprova a dificuldade de assimilação
de reformas ortográficas. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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