São Paulo, sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

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Prefeitura incentivou ocupação no Jd. Pantanal

Gestão Kassab construiu CEU e postos médicos e diz que área valorizou até 187%

Moradores da rua Capachós, alagada há nove dias, dizem que as inundações no local cresceram após "melhorias" feitas pelo poder público

EVANDRO SPINELLI
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

A rua Capachós, na zona leste, tornou-se símbolo da ocupação desordenada da várzea do rio Tietê. Desde as enchentes de terça-feira da semana passada, está intransitável, coberta por um caldo espesso de esgoto misturado a águas de chuva e de rio. Aparece em telejornais. O prefeito Gilberto Kassab (DEM) dá entrevistas dizendo que ali não se pode viver.
O problema é que o próprio poder público achava coisas bem diferentes disso até duas semanas atrás. A rua Capachós valorizou até 187% na planta genérica de valores que a prefeitura usará como base para o cálculo do IPTU de 2010 -a planta genérica estabelece o valor de mercado de imóveis.
A mesma rua Capachós -o leitor pode ter um relato de como anda a vida por lá na página quatro deste caderno- foi asfaltada recentemente. Recebeu um CEU (Centro Educacional Unificado) no ano passado, além de um conjunto habitacional novinho, financiado pela Caixa Econômica Federal.
Os moradores dizem que as inundações no local aumentaram desde as "melhorias" feitas pelo poder público. Havia campos de futebol onde foram construídos o CEU e o conjunto habitacional -hoje há cimento e impermeabilização.
A atualização da planta genérica de valores, que inclui a valorização da rua Capachós, foi enviada por Kassab à Câmara em novembro e aprovada pelos vereadores no início deste mês.
Em 2001, o metro quadrado na rua custava, de acordo com a prefeitura, R$ 33,26. Para o cálculo do IPTU de 2009, o valor base foi de R$ 49,54. Para 2010, a prefeitura estabeleceu valores entre R$ 110 e R$ 142.
A valorização de até 187% não será cobrada de quem mora na rua até porque imóveis atingidos por enchentes estarão isentos, conforme anunciaram integrantes da prefeitura.
Mas demonstra que políticas contraditórias estão em disputa bem ali, na beira do rio. Segundo o subprefeito de São Miguel Paulista, Milton Persoli, a valorização do metro quadrado se deve ao fato de a região ter recebido investimentos públicos, como uma estação da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, quatro unidades básicas de saúde, três de assistência médica ambulatorial (AMAs), além do CEU já citado.
No rastro desses investimentos do poder público, um condomínio particular está sendo construído na mesma rua, ao lado do conjunto habitacional da Caixa. Até parece que a lógica é a de povoar a várzea.
Mas, de acordo com o subprefeito, nada menos do que 60% de todas as famílias que vivem na várzea do Tietê estão irregulares. Moram em loteamentos clandestinos, não têm habite-se. "Serão todos removidos", garante. "7.500 famílias pelos menos terão de sair."
O CEU, segundo ele, vai ficar. "Está inundado hoje, mas a desocupação da várzea evitará que enchentes como essa voltem a ocorrer", afirma.
Até ontem, Persoli, nove dias passados da primeira enchente de dezembro, ainda não tinha a menor ideia de para onde deverão começar a ser levadas as famílias removidas. "Ainda não fui informado", disse. À Folha, a Secretaria Municipal da Habitação disse que só hoje poderá falar sobre a disponibilidade de vagas em conjuntos residenciais voltados à moradia popular. Ou sobre planos para a construção de novas unidades.
Tudo o que a prefeitura tinha até ontem para oferecer aos flagelados era uma bolsa-aluguel, de R$ 300 por mês, a serem pagos durante seis meses, renováveis por igual período.
No primeiro dia do cadastramento de famílias que topavam sair de suas casas alagadas em troca da bolsa, apenas 15 se inscreveram. Faltam 7.485.
"Não existe quem cobre um aluguel nesse valor, ainda mais sem uma garantia de que, depois de seis meses, continuará a receber", disse Ronaldo Delfino, 46, líder comunitário do Jardim Pantanal. "Ninguém largará suas casas, ainda que precárias, sem garantia de que receberá moradia digna."


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