|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Prefeitura pagou cursos para "fantasmas"
São Paulo repassou R$ 6,4 mi para ONGs capacitarem 6.600 jovens carentes, mas os cursos atenderam apenas 4.654 alunos
Desperdício chega a R$ 2 mi; prefeitura alega que não conseguiu mandar o número exato de alunos previstos nos contratos
Danilo Verpa-27.mar.2007/Folha Imagem
|
Sala sem janela e com carteiras quase sucateadas de ONG na zona leste de SP que abrigou curso |
ROGÉRIO PAGNAN
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL
A Prefeitura de São Paulo pagou em 2006 R$ 6,4 milhões a
ONGs contratadas para oferecer capacitação profissional a
6.600 jovens carentes, mas os
cursos atenderam apenas 4.654
alunos. O valor pago a mais pelos ""fantasmas" chega a R$ 2
milhões, ou 29,5% do contrato.
O desperdício de verba pública ocorreu no maior projeto de
treinamento lançado pelo ex-prefeito e hoje governador, José Serra (PSDB), em 2005, o
Capacita Sampa, criado para
treinar e inserir jovens no mercado de trabalho. Parte do programa ocorreu na gestão Gilberto Kassab (DEM, ex-PFL).
A Secretaria do Trabalho,
responsável pelo programa, só
reconheceu que o número de
alunos foi menor do que o estabelecido nos contratos depois
que a Folha a questionou sobre
a discrepância na quantidade
de alunos -a reportagem visitou sete endereços que constavam nos contratos como locais
de cursos e analisou as 16.647
páginas do processo.
Antes desse questionamento
a secretaria havia informado
que o número de jovens atendidos pelas ONGs havia sido praticamente o mesmo do previsto
no contrato: 6.096 -diferença
de apenas 7,6%. Depois a pasta
reconheceu que, na verdade,
foram só 4.654 alunos.
"Foi a equipe técnica [que
passou o número errado]. Considere esta última [4.654 como
o número correto]. Aí, eu precisaria averiguar [o que ocorreu]", disse o ex-coordenador
do Capacita Sampa e atual secretário-adjunto da Secretaria
do Trabalho, Carlos Alexandre
Leite Nascimento.
Capitalismo sem risco
O prejuízo para os cofres públicos ocorreu porque os contratos firmados com as ONGs
previam o pagamento do valor
integral independentemente
do número de alunos que realmente fossem aos cursos.
Isso aconteceu apesar de a licitação aberta ter especificado
o número de alunos por lote. Os
alunos eram indicados pela
própria prefeitura. A administração alega que não conseguiu
mandar o número de alunos
previstos para as ONGs, e que
elas não poderiam ser responsabilizadas por isso.
Pelo contrato, cabia às ONGs
obter salas para as aulas, fornecer apostilas, professores e lanches aos jovens. Como o número de alunos foi bem menor, as
ONGs acabaram gastando menos e lucrando mais. O prejuízo
ficou todo com a prefeitura.
Uma das ONGs, a Sehal (Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação do Grande ABC), que recebeu R$ 858
mil para treinar 880 alunos, só
teve 420 alunos inscritos em
seus cursos, menos da metade.
Até hoje a prefeitura não fez
uma avaliação dos resultados
do programa. Pelos contratos,
além de capacitar os jovens carentes, as ONGs teriam a obrigação de conseguir emprego
para no mínimo 40% deles. Caso o percentual fosse menor,
poderiam sofrer uma multa de
10% sobre o valor do contrato.
Ou seja, além de gastar com
cursos com um número de alunos bem abaixo do previsto, a
prefeitura nem sabe qual foi o
resultado do investimento de
R$ 6,4 milhões no programa.
Em avaliações parciais, feitas
com alunos de quatro ONGs, o
menor número de inserção foi
de 11% e o maior, 23,4%, todos
fora da exigência contratual.
Discrepância
O número verdadeiro de jovens que freqüentaram as aulas
pode ser ainda menor do que os
4.665 oficiais da prefeitura.
O Instituto Santa Mônica,
contratado para dar aulas de
assistência de viagem e administração, enviou à secretaria
relatórios de presença e de entrega de certificados sobre 47
jovens em curso na zona leste.
Em entrevista gravada à Folha, entretanto, a coordenadora do curso Nádia Germana dos
Santos e a professora Líbia Pinheiro Cardoso disseram que
freqüentaram e concluíram o
estágio somente 28 jovens.
Em 2006, relatórios internos
da Secretaria do Trabalho já
apontavam que parte dos contratos com as ONGs vinha sendo descumprida.
Após vistorias nos locais dos
cursos, em 5 de junho, o coordenador-adjunto da secretaria
Tito Valencia Monardez, alertava, em ofício interno, que havia ""alguns problemas sérios" ,
como ""turmas não instaladas"
por uma das ONGs.
Os relatórios dizem que os
alunos não recebiam apostilas
nem material e que, em um dos
locais, as aulas eram dadas em
uma garagem desativada.
Em visita em ONG instalada
na rua Manoel Rodrigues Santiago, 1.525, Itajuíbe (zona leste), local de um curso para 28
alunos, a reportagem presenciou carteiras quase sucateadas. Na sala não havia janelas.
Apesar dos problemas, nenhum valor foi estornado do
pagamento às ONGs, de acordo
com a própria secretaria.
Texto Anterior: Mortes Próximo Texto: Critérios: Município não muda regras de contratação Índice
|