São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009

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Falta leito psiquiátrico na rede, diz escritor

Vice-presidente de ONG para portadores de esquizofrenia elogia mudanças, mas acha que hospital comum tem que ter vaga

Jorge Cândido de Assis, portador de esquizofrenia, e que já foi internado para tratamento, é um dos autores de livro sobre a doença

DA REPORTAGEM LOCAL

A reforma psiquiátrica brasileira trouxe experiências positivas na aposta pelo atendimento comunitário em detrimento das internações hospitalares na ampla forma como ocorriam há duas décadas, mas ainda há problemas. A opinião é de Jorge Cândido de Assis, 45, vice-presidente da Abre (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia) e um dos autores do livro "Entre a Razão e a Ilusão: Desmistificando a Loucura".
Ele, que é portador de esquizofrenia -doença em que o paciente enfrenta fases de não distinguir realidade do que acredita ser real-, aponta que os Caps (Centro de Assistência Psicossocial) são uma boa opção de tratamento fora das crises. Mas aponta desestruturação e falta de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, o que resulta em pacientes nas macas em hospitais.
Na reforma psiquiátrica foram fechados mais de 80 mil leitos psiquiátricos desde 1989 -hoje são 36,7 mil. Em 2001, uma lei legitimou a base da reforma: internação só em último caso. No domingo, o poeta Ferreira Gullar, em sua coluna na Folha, reascendeu a polêmica criticando a dificuldade dos pacientes em conseguir internação. Classificou como desastre a campanha anti-internação e defendeu a revogação da lei.
Leia a entrevista com Assis.

 

FOLHA - Como vê as mudanças?
JORGE CÂNDIDO DE ASSIS -
A ideia do tratamento em Caps é positiva, pois o paciente não fica confinado. É o local ideal para tratar fora da crise. Na esquizofrenia, 85% dos pacientes têm o transtorno pelo resto da vida, e esse acompanhamento é importante.

FOLHA - E nas crises ou fases agudas?
ASSIS -
Os hospitais gerais têm serviços de diferentes especialidades, o que é um fator positivo, pois alguns pacientes não têm apenas o transtorno mental. O ideal seria ter mais leitos de psiquiatria nesses hospitais [havia apenas 2.568 em 2008 no país]. Como não há leitos suficientes, os hospitais psiquiátricos acabam acolhendo essas pessoas. Acredito que juntar pacientes em hospitais psiquiátricos, por um período longo, não é bom. Esse conceito historicamente foi construído.

FOLHA - Na associação, qual o sentimento dos pacientes quanto aos tratamentos hoje?
ASSIS -
Tem pessoas que conseguem bons atendimentos. Uma dificuldade por parte de quem vive a doença é aceitar os tratamentos. Muitas vezes a pessoa não aceita ir ao médico. Outra dificuldade é aceitar que as doenças merecem cuidado a longo prazo. O que pode ocorrer por características dos sintomas da doença, a pessoa se isola, tem dificuldade de comunicação. Só a metade adere.

FOLHA - Tem gente que reclama?
ASSIS -
Sim. Por exemplo, você chega ao PS psiquiátrico de hospital geral. Existe uma rede. Onde tiver vaga você é encaminhado. As pessoas ficam dias em macas até a transferência porque não há vagas.

FOLHA - Como vê os hospitais psiquiátricos?
ASSIS -
Dentro dessa denominação há diferentes hospitais. Tanto os manicômios quanto os bons hospitais. Há a Associação Hospitalar Thereza Perlatti, em Jaú [296 km de SP], que é excelente. Mas, em geral, é difícil nesse momento da nossa história dizer qual hospital psiquiátrico é bom ou não porque a qualidade varia muito. Em um hospital psiquiátrico que não é bom, é mais fácil haver algum tipo de tratamento desumano, como punições, confinamento. Essa é uma discussão antiga, que vem da Declaração de Caracas, que mostra que esse tipo de atendimento isola.

FOLHA - Como vê a participação da atenção básica no atendimento?
ASSIS -
São fundamentais na medida em que os agentes de saúde conhecem os problemas da comunidade. Mas há problemas. Todas as unidades básicas estão preparadas? Não.

FOLHA - Há estigma?
ASSIS -
Sim. No sentido de que há pessoas que pensam que transtorno mental é menos importante que outras doenças.

FOLHA - Você já se tratou em um hospital psiquiátrico?
ASSIS -
Sim, recebi um bom atendimento pelo SUS na Santa Casa de São Paulo, em 2000. Estive internado em uma clínica particular em 1987, e o atendimento também foi bom. Ter sido internado no meu caso foi fundamental.

FOLHA - A reforma atendeu a demanda por tratamentos?
ASSIS -
Não conheço nenhum relatório com os dados dos atendimentos do sistema.


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