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Falta leito psiquiátrico na rede, diz escritor
Vice-presidente de ONG para portadores de esquizofrenia elogia mudanças, mas acha que hospital comum tem que ter vaga
Jorge Cândido de Assis, portador de esquizofrenia, e que já foi internado para tratamento, é um dos autores de livro sobre a doença
DA REPORTAGEM LOCAL
A reforma psiquiátrica brasileira trouxe experiências positivas na aposta pelo atendimento comunitário em detrimento das internações hospitalares na ampla forma como
ocorriam há duas décadas, mas
ainda há problemas. A opinião
é de Jorge Cândido de Assis, 45, vice-presidente da Abre (Associação Brasileira de Familiares,
Amigos e Portadores de Esquizofrenia) e um dos autores do
livro "Entre a Razão e a Ilusão:
Desmistificando a Loucura".
Ele, que é portador de esquizofrenia -doença em que o paciente enfrenta fases de não
distinguir realidade do que
acredita ser real-, aponta que
os Caps (Centro de Assistência
Psicossocial) são uma boa opção de tratamento fora das crises. Mas aponta desestruturação e falta de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, o que
resulta em pacientes nas macas
em hospitais.
Na reforma psiquiátrica foram fechados mais de 80 mil
leitos psiquiátricos desde 1989
-hoje são 36,7 mil. Em 2001,
uma lei legitimou a base da reforma: internação só em último
caso. No domingo, o poeta Ferreira Gullar, em sua coluna na
Folha, reascendeu a polêmica
criticando a dificuldade dos pacientes em conseguir internação. Classificou como desastre
a campanha anti-internação e
defendeu a revogação da lei.
Leia a entrevista com Assis.
FOLHA - Como vê as mudanças?
JORGE CÂNDIDO DE ASSIS - A ideia
do tratamento em Caps é positiva, pois o paciente não fica
confinado. É o local ideal para
tratar fora da crise. Na esquizofrenia, 85% dos pacientes têm o
transtorno pelo resto da vida, e
esse acompanhamento é importante.
FOLHA - E nas crises ou fases
agudas?
ASSIS - Os hospitais gerais têm
serviços de diferentes especialidades, o que é um fator positivo, pois alguns pacientes não
têm apenas o transtorno mental. O ideal seria ter mais leitos
de psiquiatria nesses hospitais
[havia apenas 2.568 em 2008
no país]. Como não há leitos suficientes, os hospitais psiquiátricos acabam acolhendo essas
pessoas. Acredito que juntar
pacientes em hospitais psiquiátricos, por um período longo,
não é bom. Esse conceito historicamente foi construído.
FOLHA - Na associação, qual o sentimento dos pacientes quanto aos
tratamentos hoje?
ASSIS - Tem pessoas que conseguem bons atendimentos.
Uma dificuldade por parte de
quem vive a doença é aceitar os
tratamentos. Muitas vezes a
pessoa não aceita ir ao médico.
Outra dificuldade é aceitar que
as doenças merecem cuidado a
longo prazo. O que pode ocorrer por características dos sintomas da doença, a pessoa se
isola, tem dificuldade de comunicação. Só a metade adere.
FOLHA - Tem gente que reclama?
ASSIS - Sim. Por exemplo, você
chega ao PS psiquiátrico de
hospital geral. Existe uma rede.
Onde tiver vaga você é encaminhado. As pessoas ficam dias
em macas até a transferência
porque não há vagas.
FOLHA - Como vê os hospitais psiquiátricos?
ASSIS - Dentro dessa denominação há diferentes hospitais.
Tanto os manicômios quanto
os bons hospitais. Há a Associação Hospitalar Thereza Perlatti, em Jaú [296 km de SP], que é
excelente. Mas, em geral, é difícil nesse momento da nossa
história dizer qual hospital psiquiátrico é bom ou não porque
a qualidade varia muito. Em
um hospital psiquiátrico que
não é bom, é mais fácil haver algum tipo de tratamento desumano, como punições, confinamento. Essa é uma discussão
antiga, que vem da Declaração
de Caracas, que mostra que esse tipo de atendimento isola.
FOLHA - Como vê a participação da
atenção básica no atendimento?
ASSIS - São fundamentais na
medida em que os agentes de
saúde conhecem os problemas
da comunidade. Mas há problemas. Todas as unidades básicas
estão preparadas? Não.
FOLHA - Há estigma?
ASSIS - Sim. No sentido de que
há pessoas que pensam que
transtorno mental é menos importante que outras doenças.
FOLHA - Você já se tratou em um
hospital psiquiátrico?
ASSIS - Sim, recebi um bom
atendimento pelo SUS na Santa
Casa de São Paulo, em 2000.
Estive internado em uma clínica particular em 1987, e o atendimento também foi bom. Ter
sido internado no meu caso foi
fundamental.
FOLHA - A reforma atendeu a demanda por tratamentos?
ASSIS - Não conheço nenhum
relatório com os dados dos
atendimentos do sistema.
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