São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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TRANSPORTE

Associação de companhias de ônibus quer cassar na Justiça o benefício, garantido por lei regulamentada em 2001

Empresas querem derrubar passe livre para deficientes

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Na contramão do comportamento politicamente correto, as empresas de ônibus interestaduais, que faturam cerca de R$ 1,8 bilhão por ano no Brasil, querem cassar o passe livre, benefício criado por lei que permite viagens gratuitas aos portadores de deficiências físicas de baixa renda.
Na semana passada, os empresários protocolaram no STF (Supremo Tribunal Federal) uma ação direta de inconstitucionalidade para se livrarem, segundo eles, de um prejuízo que pode chegar a R$ 288 milhões por ano.
A Abrati (Associação Brasileira das Empresas de Transporte Rodoviário Intermunicipal, Interestadual e Internacional de Passageiros) estima que o passe livre pode favorecer pelo menos 880 mil pessoas -universo que teria direito ao benefício, segundo os cadastros da Previdência Social.
Dados do Ministério dos Transportes, que emite a carteira com o benefício, indicam que 8.000 portadores de deficiências estão habilitados ao serviço. Mais 102 mil pessoas estão inscritas para obter o direito, garantido pela lei 8.899, de 1994, mas regulamentado só em 2001, quando passou a valer.

Dinheiro privado
Para a diretoria da Abrati, que abriga as 240 maiores empresas de transporte de passageiros, a lei é inconstitucional e menospreza o princípio da livre iniciativa: o benefício é promovido pelo governo com dinheiro privado, o que significaria uma espécie de confisco.
Para os empresários, o transporte gratuito corresponde a um serviço classificado juridicamente como assistencial, o que obrigaria a lei que criou o passe livre a indicar as fontes dos recursos para bancar as passagens.
A Abrati tenta se amparar no artigo 195 da Constituição, que trata de serviços assistenciais, para questionar a legalidade do benefício na ação encaminhada ao STF.
Em tom alarmista, os empresários dizem que o benefício "inviabiliza o empreendimento e põe em risco a continuidade da prestação devida aos usuários regulares, prejudicando, consequentemente, o exercício da função social cumprida pelos bens de produção em evidência".
Nas capitais e maiores cidades do país, os portadores de deficiência têm acesso livre ao transporte municipal de ônibus, metrô e barcos. Os empresários dessa área ainda não manifestaram desejo de barrar o serviço, mas têm sido lentos na adaptação de veículos.
Na cidade de São Paulo, segundo o Conselho Municipal de Portadores de Deficiências Físicas, só há 230 ônibus adaptados. Por lei, cada uma das 1.200 linhas deveria ter um desses veículos especiais.
"Mesmo subsidiados para cumprir a legislação, os empresários teimam em não resolver o problema", diz Gilberto Fraquetta, presidente do conselho. "Para completar, querem cassar o passe livre nos intermunicipais e interestaduais, o que é, no mínimo, uma falta de sensibilidade."

Ritmo lento
Os portadores de deficiência reclamam da demora na emissão da carteira que dá direito à passagem gratuita. "Tem gente que espera há quase um ano pelo benefício", diz Zilda Roque, 46, membro do conselho municipal. Ela enviou a documentação para Brasília em agosto de 2001 e ainda não recebeu a carteira. O governo federal alega problemas burocráticos.
As histórias de atrasos semelhantes são comuns entre os carentes de São Paulo, que prometem pressionar o governo.
"Como querem acabar com o benefício, a gente até desconfia da influência dos empresários junto a funcionários do Ministério dos Transportes", diz Mário Maristelo Ferreira, 32, que lidera portadores de deficiências em grupos da zona leste de São Paulo. "Em Brasília, tudo pode acontecer quando o dinheiro fala mais alto."


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