São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pânico acentua risco de soluções destrutivas, diz psicanalista

LUIZ TENÓRIO OLIVEIRA LIMA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A sensação de segurança em um grupo humano é função de vários fatores. Os fatores subjetivos são dominantes e, como se sabe, relacionam-se com um sentimento de solidariedade intra-grupal. Os indivíduos não existem isoladamente em um grupo, e são interdependentes uns dos outros, formando uma espécie de rede tácita. Esta rede envolve trocas emocionais, semelhantes, por exemplo, às existentes em um grupo de escala menor, como o familiar. Esta rede tácita é bastante consistente para prover segurança diante do imprevisto, de situações adversas reais, concretas e objetivas. Ela é, entretanto, bastante precária para se romper ao confrontar-se com situações imaginárias ou reais que contenham um grande teor de ameaça potencial ao grau de certeza e de conhecimento necessários para a pessoa sentir-se em um "meio conhecido" e em um ambiente previsível.
Segundo uma tradição antiga, a palavra "pânico" deriva do deus Pan, divindade grega que se divertia com uma flauta assustando os viajantes ao produzir sons em lugares imprevistos na escuridão da noite nos bosques. O medo-pânico é, portanto, um medo daquilo que se desconhece e é sentido como ameaçador, real ou imaginariamente.
O problema do medo e da insegurança nesses últimos dias em São Paulo acentuou-se na tarde da segunda-feira em decorrência de muitos fatores, mas as informações imprecisas, a falta de comunicação confiável e consistente (até compreensível, dada a velocidade dos acontecimentos) entre as instituições governamentais e a sociedade parecem ter sido um fator decisivo. A surpresa, o sensacionalismo, a improvisação podem ter contribuído para provocar a ruptura dessa rede tácita entre os indivíduos que constituem o grupo. O pânico é um sentimento que introduz um grau crescente de irracionalidade no comportamento do grupo, tendendo a produzir desorganização e caos, o que acentua perigosamente o risco de soluções destrutivas, tanto para o grupo quanto para o próprio indivíduo. Na tarde de segunda-feira, assistimos e vivenciamos, na cidade de São Paulo, um princípio desse sentimento em amplos setores da população, no momento em que tentavam voltar do trabalho para suas casas.
São Paulo é uma cidade em que seus habitantes estão submetidos a uma carga enorme de tensão. Os fios frágeis que unem as pessoas em meio a tanta insegurança objetiva têm tido bastante consistência. É até admirável que as situações terríveis desses últimos dias não tenham ainda provocado uma onda desordenada e caótica, por exemplo, como ocorreu no célebre "blackout" na cidade de Nova York, há alguns anos. A coesão do grupo, sua aparente passividade diante de situações tão dramáticas são talvez uma prova da capacidade maior de resistência da população ao sentido psicológico desses ataques criminosos e cruéis, anti-sociais e destrutivos. Não é possível saber até quando esta resistência da população ao caos psicológico, não só numa cidade como a nossa, mas em muitas outras grandes cidades brasileiras, persistirá. Essa persistência poderá depender da recuperação da confiança mínima nas instituições sociais e nos seus agentes visíveis, freqüentemente, também, com e sem razão, hostilizados pela boa-fé de muitos e pela demagogia de tantos.


LUIZ TENÓRIO OLIVEIRA LIMA é psicanalista


Texto Anterior: Guerra urbana/Análise: Flávia Piovesan: Combate ao crime exige ações articuladas
Próximo Texto: Mortes
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.