|
Próximo Texto | Índice
Associação quer espiritualizar o Judiciário
A recém-criada Associação Jurídico-Espírita de SP defende, entre outros pontos, o uso de cartas psicografadas nos tribunais
Além de juízes, entidade reúne promotores, delegados e advogados; "o Estado é laico, mas as pessoas não", diz o promotor Tiago Essado
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
Eles defendem um Judiciário
mais sensível às questões humanitárias, dizem que a maior
lei é a de Deus, vêem na condenação penal e na própria função uma missão de vida, defendem o uso de cartas psicografadas nos tribunais e estimulam,
nas audiências, a fraternidade
entre vítimas e criminosos.
Discutir temas polêmicos,
como o aborto, a eutanásia, o
casamento gay, a pena de morte
e as pesquisas de células-tronco, condenados pelas religiões
cristãs, são alguns dos objetivos
da recém-criada AJE (Associação Jurídico-Espírita) de São
Paulo, que teve anteontem a
primeira reunião deliberativa,
e já existe no RS e no ES.
"O Estado é laico, mas as pessoas não. Não tem como dissociar e dizer: vou usar a minha fé
só dentro do centro espírita",
afirma o promotor Tiago Essado, um dos fundadores da AJE.
Embalada na esteira do crescimento da Abrame (Associação Brasileira de Magistrados
Espíritas), que hoje reúne 700
juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores,
e que aceita apenas togados
como membros, a AJE surge
com uma proposta de abranger
todos os operadores do direito
e já conta com 200 associados
ou interessados, entre promotores, delegados de polícia e advogados, além de juízes.
Embora juristas não vejam
ilegalidade no fato de juízes se
reunirem em associações religiosas, a questão levanta discussões como:
1) o laicismo, princípio que
prega o distanciamento do Estado da religião;
2) a contaminação de decisões por valores ou crenças de
caráter religioso ou pessoal;
3) e o caráter científico do direito positivo, que deve se basear em verdades comprovadas, e não, como a religião, em
verdades reveladas.
Além dos tribunais superiores (entre outros, o vice-presidente do Superior Tribunal de
Justiça, Francisco Cesar Asfor
Rocha, é um dos integrantes da
diretoria da Abrame), a convicção espírita permeou também
o Conselho Nacional de Justiça, o órgão de controle externo
do Judiciário.
"Não enxergaria nenhuma
diferença entre uma declaração
feita por mim ou por você e
uma declaração mediúnica, que
foi psicografada por alguém",
diz Alexandre Azevedo, juiz-auxiliar da presidência do CNJ,
designado pelo conselho para
falar a respeito das associações.
A Folha levantou quatro decisões em que cartas psicografadas, supostamente atribuídas
às vítimas do crime, foram usadas como provas para inocentar réus acusados de homicídio.
Segundo Zalmino Zimmermann, juiz federal aposentado
e presidente da Abrame, o propósito da associação "é questionar os poderes constituídos
para que o direito e a Justiça
sofram mais de perto a influência de espiritualizar".
"O objetivo geral é a espiritualização e a humanização do
direito e da Justiça", diz.
Para o juiz de direito Jaime
Martins Filho, a escolha de sua
profissão não foi uma casualidade e, por isso, a exerce como
uma missão de vida.
"Não acredito em acaso, mas
numa ordem que rege o universo, acredito em leis universais."
E ele explica "a finalidade religiosa da associação".
"Dentro da liberdade de religião, são os juízes aplicando
princípios religiosos no seu
dia-a-dia. Temos um foco que é
a magistratura, procurar trabalhar esses valores espirituais
que estão relacionados com a
própria religião dentro da magistratura", diz Martins Filho.
Colaborou ROGÉRIO PAGNAN,
da Reportagem Local
Próximo Texto: Juristas vêem "deturpação" do Estado democrático de Direito Índice
|