São Paulo, Quarta-feira, 19 de Maio de 1999
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DIAS GOMES

Escritor baiano foi mestre da "carpintaria"

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Já se organizou a obra de Dias Gomes de maneiras as mais arbitrárias. Na coleção da ed. Bertrand Brasil, as divisões lembram aquelas, também estranhas, criadas para Nelson Rodrigues: "falsos mitos", "heróis vencidos". Outra ordenação buscou ligá-lo à dramaturgia nacional do fim dos anos 50 (Suassuna, Guarnieri), como se nada tivesse escrito antes.
Para distinguir as características do dramaturgo, é melhor recorrer ao que o próprio dizia, de suas "fases". Foram poucos os intervalos em sua produção, mas são bem distintas uma primeira fase de encenações, com os textos feitos para Procópio Ferreira nos anos 40, e a segunda e melhor, abrindo com "O Pagador de Promessas", seu maior legado para o palco, em 60.
Dias Gomes, em cerca de 60 anos de dramaturgia, em ambas as "fases" e nas inúmeras peças inéditas, nunca se distanciou muito, entre outras qualidades, da atenção aos tipos populares. Foi assim desde "Zeca Diabo", sobre o cangaço, de 43; e foi assim com o aclamado Zé-do-Burro, de "Pagador".
Escrevendo as primeiras peças nos anos 30 e 40, desenvolvendo-se sob as asas de Procópio, Dias Gomes tornou-se aos poucos um mestre da "carpintaria" -como se descreve costumeiramente, em teatro, o domínio da dramaturgia mais voltada à ação e ao enredo, nem tanto à complexidade psicológica dos personagens.
Uma terceira característica, da qual poucas vezes se distanciou, foi temática: o Nordeste, a seca, a crítica à opressão. Acima de tudo, o que era de esperar no militante socialista e materialista: o anticlericalismo. É assim em "Pagador" e também em "O Santo Inquérito", outro texto a lembrar entre os destaques do dramaturgo.
Em "Pagador", que estreou num TBC já influenciado pelo nacionalismo do Arena, Zé-do-Burro vai a Salvador pagar uma promessa feita a Iansã ou santa Bárbara -sincretismo tão do gosto do autor, por se contrapor à religião instituída. Ao chegar, enfrenta um padre que é a alegoria da opressão.
Estão lá os traços da comédia popular mais direta, ainda que se trate de um drama com, como exige a "carpintaria", final retumbante. Está lá a dicotomia, o confronto do bem contra o mal, no caso, representada na "autoridade" do padre e seu aliado, o "Delegado".
E também está lá, em "Pagador", a defesa da reforma agrária, num Zé-do-Burro que decide dividir "igualmente", para horror de padre Olavo, as poucas terras "com os lavradores mais pobres".
À sua maneira, como ele dizia da primeira peça que fez para Procópio, "Pé-de-Cabra", Dias Gomes escreveu sem jamais esquecer o modelo dos anos 30, do Joracy Camargo de "Deus lhe Pague": engajado, carregado de idéias políticas e sociais, mas sempre de olho na diversão, no espectador.
É o que explica o fato de, passada a primeira fase de sua dramaturgia, Dias Gomes ter mergulhado na radionovela, por duas décadas. Depois, passada a segunda fase de sua dramaturgia, ele mergulhou na telenovela para os trabalhos mais lembrados. Na TV como no rádio, inspirou-se nos tipos e enredos criados antes no palco.


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