São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2004

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MOACYR SCLIAR

O Banco do Amor

Dinheiro compra mais felicidade, não mais sexo, tenta provar estudo. Dois economistas, David G. Blanchflower, da Faculdade de Dartmouth (USA), e Andrew J. Oswald (Reino Unido) compararam os níveis de felicidade produzidos por uma vida sexual vigorosa com outras atividades cujos valores tinham sido calculados em pesquisa anterior. Estimaram que aumentar a freqüência sexual de uma vez por mês para ao menos uma vez por semana produz tanta felicidade quanto pôr US$ 50 mil no banco. Mundo, 12.jul.2004

Os dois estavam casados há muito tempo. Os dois, pobres, trabalhavam muito, ele como operário numa fábrica de tubulações, ela como faxineira. E ou por estarem casados há tempo, ou por trabalharem muito e estarem sempre exaustos, o certo é que praticavam pouco sexo. Restringiam-se a um dia por mês -o dia 16, em que se tinham conhecido anos antes.
Foi então que ela leu a notícia sobre a pesquisa dos economistas. Mostrou-a ao marido e os dois concordaram: talvez valesse a pena esforçar-se um pouco e aumentar a freqüência das relações sexuais. Tinham um estímulo para isso: os US$ 50 mil, ainda que imaginários. E de fato, já no primeiro mês, a coisa funcionou: faziam amor semanalmente. E, sempre naquele clima alegre, brincalhão, resolveram depositar o dinheiro num banco imaginário, o Banco do Amor.
Nos três meses seguintes a coisa foi ainda melhor; cada vez se sentiam mais felizes. O depósito deles no Banco do Amor agora atingia a apreciável quantia de US$ 200 mil dólares.
- O que vamos fazer com tanta grana? -indagou ela.
O tom era de gozação, mas, por algum motivo, o marido levou a pergunta a sério. Eu poderia abrir minha própria indústria, disse ele, e assim deixaria de ser empregado:
- Ninguém mais mandaria em mim, ninguém.
Uma reivindicação aparentemente justa com a qual ela, no entanto, não concordou. Mostrou uma manchete de jornal, segundo a qual aplicações em produção, no Brasil, rendem quatro vez menos que aplicações financeiras. Achava, portanto, que deveria pôr aquela grana num fundo, ou, quem sabe em ações. Discutiram asperamente, tão asperamente que acabaram indo para a cama brigados. Era o dia 16, mas eles não fizeram sexo. Nem nos dias seguintes, nem nas semanas seguintes. Na verdade, mal se falam e estão pensando em se separar.
O depósito imaginário terminou há muito tempo. Por assim dizer, estão no vermelho, com saldo negativo no Banco do Amor. Sabem que pagarão juros pesados por isso, mas se conformam: mesmo o Banco do Amor tem de se submeter às regras do mercado.


Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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