São Paulo, terça-feira, 19 de julho de 2011

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JAIRO MARQUES

Curtindo o inverno


Falta acesso, falta um olhar para o diverso, falta compromisso com a pluralidade das pessoas


QUASE FIQUEI com câimbra nos dedos de tanto que telefonei para pousadinhas do sul de Minas Gerais atrás de um lugar em que um prejudicado das pernas como eu pudesse aproveitar os prazeres do inverno.
Está certo que eu não queria qualquer cabana com as portas largas e com um saco de lenha para queimar e esquentar meus cambitos, que viram picolés quando a temperatura cai demais.
Queria era um aposento com um daqueles tancões que fazem borbulhas, massagem, cafezinho e animam a gente a brincar de palavras cruzadas com a companheira. Também tinha de ter o espaço para armar fogueira, que encanta as vistas, acalenta o corpo e derrete o queijo do churrasco. Afinal, se eu fui pobre algum dia, eu não me lembro.
Acontece que, como diz minha tia Filinha, "difinitivamente", estâncias turísticas não se planejam para receber todo tipo de público.
Falta acesso, falta um olhar para o diverso, falta compromisso com a pluralidade física e sensorial das pessoas. Falta também um Ministério do Turismo que "mande prender e mande soltar".
Sem falar que, quando existe acessibilidade, ela é sempre mínima, básica, obrigatória. Quem quer um pouco mais tem de dar "seus pulos", seus jeitinhos ou desistir do passeio.
Penso eu que, quando um "serumano" é praticamente impedido de ir a um lugar com forte apelo de sentir o gostinho de viver, como são as montanhas no inverno ou as praias no verão, ele não está somente sendo excluído, está tendo ceifado o seu direito de experimentar um sabor universal de felicidade.
Mas, como sou mais para a frente do que umbigo de mulher grávida, catei meus badulaques, botei a nega na Kombi e lá fomos nós para uma pousada que não era acessível para cadeirantes, para cegos e demais estropiados, contudo ficava bem no alto de um monte verde, atendia meus "caprichos" e era linda, linda.
"Olha, faz sete anos que existe a pousada é só vieram dois, assim, iguais ao senhor. Então não tem por que fazer as rampas tudo. Esse pessoal não vem", disse a moça que nos atendeu logo na chegada.
Dá para lotar um Fiat 147 do tanto de mineiros, paulistanos, cariocas, acrianos... que pensam como a atendente. Mas posso garantir que as pessoas com deficiência não estão guardadas dentro de caixas de sapato em casa.
O que rola é que muita gente cadeirante, da mesma "espécie" que eu, se condicionou a "não ir" justamente porque "lá" costuma ser um ambiente hostil para "nós".
Para que a pousada fosse "bacanuda", faltava o beiço de uma pulga. Havia o tancão de tomar banho com glamour, mas havia dois degraus para atingi-lo (a mulher foi me puxando, mas não perdeu a oportunidade de me ensaboar), a cabana era plana, mas faltavam rampas.
O banheiro era amplo, mas não tinha barras de apoio para acessar o trono. Havia esquilo, passarinho, mas nenhuma informação em braile para que quem não pode ver consiga imaginar.
Ainda resta um bocadinho de inverno para curtir e muita gente ainda há de subir as serras em busca de fotografias para a vida toda. Eu só volto no ano que vem à labuta de procurar uma cidadezinha e uma pousadinha que me permita ter belos retratos. Mas não desisto.

jairo.marques@grupofolha.com.br

assimcomovoce.folha.blog.uol.com.br


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