São Paulo, sábado, 19 de agosto de 2006

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Corte da OEA condena Brasil por morte

Maus-tratos que vitimaram paciente com problemas mentais em 1999 resultaram na 1ª sentença do tribunal contra o país

Para entidade, Estado brasileiro é co-responsável pela morte de Damião Ximenes Lopes em clínica psiquiátrica no Ceará


EDUARDO DE OLIVEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA

Pela primeira vez, o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) por violações dos direitos humanos. A decisão foi anunciada anteontem à noite em San José, na Costa Rica.
Por sete votos a zero, os juízes concluíram que o Estado brasileiro foi co-responsável pela morte por maus-tratos do portador de transtorno mental Damião Ximenes Lopes, então com 30 anos, ocorrida em outubro de 1999 numa clínica psiquiátrica de Sobral (CE). E também por falhas e lentidão na investigação judicial. Foi estabelecida indenização de US$ 146 mil (R$ 312 mil), que deve ser paga à família dele em um ano. O governo também deve mandar publicar, em seis meses, trechos da decisão no "Diário Oficial" da União e num jornal de grande circulação.
O Brasil ainda foi instado a acelerar o trâmite das ações na Justiça referentes ao caso e os processos de melhoria das condições gerais da rede de atendimento psiquiátrico no país.
A corte condenou o Estado com base na Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, nos artigos que tratam da garantia à integridade física, à vida e de garantias e proteção judicial dos seus cidadãos. O caso de Lopes foi o primeiro brasileiro a chegar à corte, segundo a ONG Justiça Global.
Há outros em tramitação no tribunal, além de denúncias e condenações contra o país na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, instância da OEA que analisa denúncias, propõe medidas e medeia acordos antes de enviá-las à corte.
Irene Ximenes Lopes Miranda, 40, irmã de Lopes, procurou a comissão em novembro de 1999, diante do que considerava falta de interesse das autoridades. Em 2003, a Justiça Global passou a prestar assistência jurídica à família, e o caso foi enviado à corte em outubro de 2004, após a comissão considerar que o Estado não adotara medidas para solucioná-lo.
Na esfera criminal, desde 2000 corre um processo na 3ª Vara Criminal de Sobral contra funcionários da clínica, sem condenações. Há um processo cível por reparação de dano, em que a família pede indenização de R$ 150 mil. E corre em sigilo no Conselho Regional de Medicina do Ceará um processo administrativo contra o diretor clínico à época da morte.
"É um caso muito simbólico e inédito para a corte, porque envolve uma condenação relacionada a uma pessoa com transtornos mentais", afirmou Sandra Carvalho, diretora-executiva da Justiça Global.
"A tristeza não passou. Nós estamos felizes com essa vitória, mas, em meio a toda felicidade, a nossa alma tem tristeza ainda, porque o Damião não está presente, é uma ausência eterna, uma perda irreparável", disse Irene ontem à Folha.
"Ainda não conseguimos nos encontrar [os seis irmãos], para nos abraçarmos e comemorar."
Ela disse que resolveu recorrer à OEA porque não queria que o caso do seu irmão fosse "mais um". Irene pretende usar parte da indenização para fundar em Fortaleza o Instituto Damião Ximenes, para prestar assistência em casos parecidos.
Lopes foi internado na Casa de Repouso Guararapes, instituição privada, em 4 de outubro de 1999, uma sexta-feira. Espancado, Lopes morreu na segunda. Em 2000, o governo federal decretou intervenção na clínica, que foi fechada.


Colaborou RUBENS VALENTE, da Reportagem Local


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