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PASQUALE CIPRO NETO
Papel vitaminado
Às vezes, lemos coisas em que não acreditamos de imediato. Foi o que ocorreu na
quinta-feira da semana passada. Na primeira página da Folha, havia uma chamada para uma reportagem que tratava da "maquiagem" pela qual passaram alguns produtos (biscoitos, papel higiênico etc.). O texto dizia o seguinte: "Os itens com embalagem menor ganharam ingredientes novos após a blitz (do governo),
como a adição de vitamina e fragrâncias a papéis higiênicos".
Pensei que se tratasse de mais
um dos tantos casos em que, pela
ordem das palavras ou por descuido na redação, surgem "efeitos
estranhos", como costuma dizer a
banca da Unicamp em suas questões. Numa delas, por sinal, a escola de Campinas abordou esta
pérola, publicada num jornal:
"Fazendo sucesso com sua nova
clínica a psicóloga Fulana de Tal,
localizada na rua X". De início,
pode-se ter a impressão de que é a
psicóloga (e não a clínica) que se
localiza na rua X. A solução é
simples: basta acrescentar o verbo
"estar" e alterar a ordem. Vejamos: "A psicóloga Fulana de Tal
está fazendo sucesso com sua nova clínica, localizada na rua X".
No caso do texto da Folha, tive
a impressão de que, por um lapso,
não se conseguiu dizer que as fragrâncias tinham sido adicionadas ao papel higiênico, e as vitaminas, a outros produtos (biscoitos, por exemplo). Com a pulga
atrás da orelha, fui para a reportagem propriamente dita e vi este
título: "Empresa vitamina papel
higiênico". "Santo Deus!", disse
eu. "E não é que a vitamina é
mesmo do papel?", emendei. Haja
criatividade!
O caráter insólito da informação talvez suscitasse menos incredulidade se a ordem fosse esta:
"...como a adição a papéis higiênicos de vitaminas e fragrâncias".
No enunciado de algumas de
suas questões, a Unicamp diz que
o conhecimento de mundo pode
permitir que se desfaça a ambiguidade e que se entenda a real
intenção de quem redigiu. Um
desses casos é o desta frase: "...Judith Exner, uma das incontáveis
amantes de Kennedy, que, simultaneamente, mantinha um caso
com o chefão mafioso...".
Tal como foi redigido, o trecho
permite entender que Kennedy
mantinha um caso com Judith e
outro com o chefão mafioso. O
"conhecimento de mundo" nos leva a deduzir que, nesse caso específico, a bigamia era prática de
Judith, e não de Kennedy. Melhor
mesmo seria redigir de forma clara, aproximando o "que" de "Judith": "...Judith Exner, que era
uma das incontáveis amantes de
Kennedy e simultaneamente
mantinha um caso com...".
Dessa história toda, tira-se uma
lição: o pronome relativo ("que",
no trecho comentado) deve ficar o
mais perto possível do elemento
que recupera ("Judith").
No caso do papel higiênico, o
"conhecimento de mundo" não
parece bastar para que se aceite
de imediato que seja normal colocar vitamina em papel higiênico.
A ordem pode ajudar a diminuir
a surpresa, mas é pouco provável
que elimine a curiosidade ou a
descrença. O jeito é ler a reportagem toda, tintim por tintim. É por
essas e outras que a leitura de títulos ou resumos pode não bastar
para a compreensão plena. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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