São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

Papel vitaminado

Às vezes, lemos coisas em que não acreditamos de imediato. Foi o que ocorreu na quinta-feira da semana passada. Na primeira página da Folha, havia uma chamada para uma reportagem que tratava da "maquiagem" pela qual passaram alguns produtos (biscoitos, papel higiênico etc.). O texto dizia o seguinte: "Os itens com embalagem menor ganharam ingredientes novos após a blitz (do governo), como a adição de vitamina e fragrâncias a papéis higiênicos".
Pensei que se tratasse de mais um dos tantos casos em que, pela ordem das palavras ou por descuido na redação, surgem "efeitos estranhos", como costuma dizer a banca da Unicamp em suas questões. Numa delas, por sinal, a escola de Campinas abordou esta pérola, publicada num jornal: "Fazendo sucesso com sua nova clínica a psicóloga Fulana de Tal, localizada na rua X". De início, pode-se ter a impressão de que é a psicóloga (e não a clínica) que se localiza na rua X. A solução é simples: basta acrescentar o verbo "estar" e alterar a ordem. Vejamos: "A psicóloga Fulana de Tal está fazendo sucesso com sua nova clínica, localizada na rua X".
No caso do texto da Folha, tive a impressão de que, por um lapso, não se conseguiu dizer que as fragrâncias tinham sido adicionadas ao papel higiênico, e as vitaminas, a outros produtos (biscoitos, por exemplo). Com a pulga atrás da orelha, fui para a reportagem propriamente dita e vi este título: "Empresa vitamina papel higiênico". "Santo Deus!", disse eu. "E não é que a vitamina é mesmo do papel?", emendei. Haja criatividade!
O caráter insólito da informação talvez suscitasse menos incredulidade se a ordem fosse esta: "...como a adição a papéis higiênicos de vitaminas e fragrâncias".
No enunciado de algumas de suas questões, a Unicamp diz que o conhecimento de mundo pode permitir que se desfaça a ambiguidade e que se entenda a real intenção de quem redigiu. Um desses casos é o desta frase: "...Judith Exner, uma das incontáveis amantes de Kennedy, que, simultaneamente, mantinha um caso com o chefão mafioso...".
Tal como foi redigido, o trecho permite entender que Kennedy mantinha um caso com Judith e outro com o chefão mafioso. O "conhecimento de mundo" nos leva a deduzir que, nesse caso específico, a bigamia era prática de Judith, e não de Kennedy. Melhor mesmo seria redigir de forma clara, aproximando o "que" de "Judith": "...Judith Exner, que era uma das incontáveis amantes de Kennedy e simultaneamente mantinha um caso com...".
Dessa história toda, tira-se uma lição: o pronome relativo ("que", no trecho comentado) deve ficar o mais perto possível do elemento que recupera ("Judith").
No caso do papel higiênico, o "conhecimento de mundo" não parece bastar para que se aceite de imediato que seja normal colocar vitamina em papel higiênico. A ordem pode ajudar a diminuir a surpresa, mas é pouco provável que elimine a curiosidade ou a descrença. O jeito é ler a reportagem toda, tintim por tintim. É por essas e outras que a leitura de títulos ou resumos pode não bastar para a compreensão plena. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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