São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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FÉ VERDE

Tentativa é evitar que alimentos e bebidas usados em cerimônias intoxiquem animais e poluam rios e cachoeiras

Tijuca terá área para rituais religiosos

SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

O Rio iniciou a construção do primeiro espaço eco-religioso do país para combater a poluição causada por oferendas e cultos.
Localizado dentro da floresta da Tijuca, o espaço tem duas quedas d'água, um rio e dezenas de árvores centenárias. Ganhará vigias 24 horas, será todo cercado e contará com banheiros e uma lojinha.
As oferendas também terão um tratamento especial. Quase tudo será reciclado. A maior parte das comidas será enterrada e virará adubo. Já os vasos deverão ser trabalhados artisticamente pelas comunidades carentes próximas da floresta e negociadas na loja. As velas serão reaproveitadas.
Os cultos e as oferendas religiosas são algumas das principais preocupações dos administradores do maior parque urbano do mundo, o Parque Nacional da Tijuca. Além das comidas deixadas pelos religiosos intoxicar diariamente os animais da floresta, as velas acesas já causaram incêndios e quedas de árvores dentro do parque. Os rios e as cachoeiras também sofrem com a poluição causada pelas celebrações.
A criação do espaço foi a solução encontrada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e pela Prefeitura do Rio para tentar pôr fim as mais diversas práticas religiosas dentro do Parque Nacional da Tijuca, área de reserva ambiental. O Espaço Sagrado fica em terreno vizinho.
"Sofremos muito com a falta de consciência dos religiosos. Por isso, criamos essa área, que servirá como projeto-piloto e poderá ser levada para outras localidades. Além disso, vamos gerar renda para os nossos vizinhos", disse Ana Cristina Vieira, chefe substituta do Parque Nacional da Tijuca. Várias religiões e seitas são parceiras do projeto, que deverá ser inaugurado oficialmente em fevereiro do próximo ano.
Segundo Ana Cristina, mais de 20 grupos religiosos e integrantes de seitas realizam cerimônias no parque. ""As religiões afro-brasileiras são as que mais freqüentam a floresta. Fora eles, o parque abriga celebrações de bruxas, Santo Daime, ciganos e várias outras."
A região escolhida para o início do projeto foi o trecho de floresta localizado próximo à curva do ""S" no Alto da Boa Vista, zona norte da cidade, em área que pertence à Prefeitura do Rio.
O Espaço Sagrado, como é chamado oficialmente, é usado por religiosos há mais de 50 anos, mas está sendo preparado para receber oficialmente os cultos de maneira ecologicamente correta. Lixeiras, rampas para deficientes e uma ponte de acesso ao outro lado do rio serão instaladas na área.

Sujeira
Até agora, mais de oito toneladas de lixo já foram retiradas de lá. No início do ano, o cenário do Espaço Sagrado era de muita sujeira. O rio e as quedas d'água estavam completamente imundos, com restos de animais, garrafas quebradas e pedaços de roupas.
Dezenas de árvores centenárias já foram destruídas por velas. Elas estão sendo recuperadas, e os participantes do projeto constroem altares para protegê-las do fogo. Desde o mês passado, um voluntário trabalha diariamente no espaço. Ele o limpa e realiza uma pesquisa com os religiosos, que irá mapear os grupos.
""Dou um caminho final para o despacho, o que poderia ser feito pelas próprias pessoas que os realizam. Deixam tudo aqui e prejudicam os animais e os rios. As pessoas têm de se conscientizar. O dendê, o caruru e as bebidas alcoólicas não fazem parte da dieta de um animal. Já tivemos inúmeros casos de animais mortos por causa dessa alimentação", disse o baiano Aderbal Moreira Costa, pouco antes de um mico descer da árvore para pegar um doce de um dos despachos. Costa é sacerdote de um casa tradicional de candomblé.
No Rio de Janeiro, já existem lugares para realizar cerimônias religiosas com privacidade, mas nenhum é público e tem essa preocupação com a ecologia.
""A intenção é garantir a liberdade religiosa deles, sem que a natureza sofra. A partir daí, poderemos também multar as pessoas que fazem culto dentro do parque. A legislação já nos permite, mas somos tolerantes com eles. Com o Espaço Sagrado em funcionamento, vamos mudar a nossa postura", afirmou Ana Cristina, a chefe do parque.


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