São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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GILBERTO DIMENSTEIN

Já ganhou

Pesquisa Datafolha divulgada hoje reafirma o favoritismo de José Serra, mas ainda falta muito tempo até o fim do segundo turno e Marta Suplicy dispõe de condições de tentar virar o jogo. Já existe, porém, um vitorioso, independentemente do resultado final: o eleitor paulistano.
A eleição revela tendências que vieram para ficar: a sociedade está mais exigente, articulada e bem informada, os truques de marketing vêm sendo amenizados pelos argumentos racionais, os candidatos foram obrigados a se preparar melhor para não se emparelharem com os "nanicos", donos de legendas de aluguel.
Isso é apenas conseqüência da maior vivência democrática, do aumento da escolaridade da população e da evolução da mídia na cobertura de temas locais.
Na semana passada, concluíram-se as sabatinas feitas pelos jornais, entre os quais a Folha, com os candidatos à Prefeitura de São Paulo. Pelo menos de um quesito não podemos reclamar: eles se dispuseram, sem restrições, ao bombardeio de perguntas.
A leitura das sabatinas mostra, com clareza, a inconsistência de algumas propostas, a desconexão entre o que se propõe e o que os números indicam como viável. Serra promete bilhete único estendido ao metrô sem saber o custo; Marta diz nem mesmo saber quanto já está pagando pelo bilhete único.
Mas não há registro de uma eleição paulistana em que o debate sobre os problemas da cidade e suas possíveis soluções se tenha alastrado tanto, transformado em conversa empolgada do mais simples botequim da zona leste aos bares dos Jardins. Fala-se do acerto e de erros de projetos educacionais, de saúde ou de transporte. Só não se vai mais longe e com mais profundidade porque grande parte do eleitorado, vítima de deficiência escolar, tem dificuldade em entender o que está sendo transmitido -é a conseqüência do chamado analfabetismo funcional.
Evidentemente, não deixaram de existir as propostas demagógicas, irreais, nem mesmo as mentiras e as baixarias dos ataques ou manipulações. Mas já não está tão fácil apostar tanto -pelo menos na cidade de São Paulo- na ignorância do eleitorado. Afinal, 46% da população empregada tem diploma de ensino médio ou superior.
A escolaridade dos habitantes de São Paulo não pára de crescer pelo simples fato de que o mercado de trabalho começa a recusar, até para empregos simples, trabalhadores apenas com o ensino fundamental completo.
Com o aumento da escolaridade, os eleitores começam a cobrar dos candidatos a prefeito coisas que está ao alcance deles fazer. Basta ver que, nessa disputa, fala-se mais de saúde e educação, responsabilidades de prefeitos, do que de emprego ou segurança, temas em que o governador e o presidente têm mais chance de ação.
Os exageros de marketing se voltam contra os próprios candidatos. Na eleição presidencial passada, José Serra pagou o preço de, apesar de ser um candidato oficial, ter tentado se afastar do governo e assumido tons oposicionistas. Não colou. Acuada na área da saúde, Marta Suplicy apresentou a maquete de um projeto. O CEU Saúde soou, para boa parte da população, como pirotecnia eleitoral. Coincidência ou não, depois disso ela perdeu pontos, como demonstra o Datafolha, entre os chamados formadores de opinião, as pessoas com maior escolaridade.
A desconfiança dos artifícios do marketing está fundada no aprendizado. Vimos Collor e seus marajás, bem como um prefeito (Celso Pitta) que se elegeu com a promessa de implantar um sistema de transporte (Fura-Fila) que, até agora, não passa de um esqueleto. Lula, por sua vez, ganhou a eleição prometendo a redenção social. Vimos também os cinco dedos de FHC, símbolo de sua campanha presidencial, com suas promessas sociais, das quais uma era o emprego. O Primeiro Emprego, de Lula, destinado a jovens, não empregou ninguém até agora. O Fome Zero é mais um slogan do que um programa de governo. Mesmo programas inspirados pelo PT, como o Bolsa-Escola, tiveram retrocesso: deixaram de fiscalizar se as crianças estão indo para a escola.
É, afinal, votando que se aprende.
Não significa que o país não esteja mudando do ponto de vista social. Está e para melhor. Significa que a mudança é muito mais lenta do que é sugerido nas campanhas eleitorais. Ainda por cima, faltam mecanismos de avaliação e monitoramento para medir a eficiência das ações.
O eleitor paulistano já ganhou por um só motivo: os prefeitos passam e os cidadãos ficam. E o único meio de fazê-los trabalhar melhor e com mais seriedade é a articulação comunitária. É o que estamos vendo, embora ainda engatinhando, na disputa pela Prefeitura de São Paulo.
PS - Concordo com a prefeita de que chamá-la de "dona", como vem sendo feito pelo PSDB no horário eleitoral, assume um tom depreciativo. Não condiz com a imagem que José Serra quer passar quando fala de seus programas, no Ministério da Saúde, sobre a mulher. Mas também concordo com a indignação de Serra, acusado por Marta de ser o responsável pelo aumento do número de casos de diabetes, como se fosse uma doença transmissível -isso fere um conhecimento elementar sobre o corpo humano, especialmente grave para quem se especializou em temas de sexualidade, e ajuda a confundir a opinião pública sobre o que é diabetes. Aumento de registro não significa aumento da doença.

E-mail - gdimen@uol.com.br

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