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MINHA HISTÓRIA DANIELE TOLEDO DO PRADO, 25
Crime e reparação
Acharam uma mamadeira e uma seringa com um pó branco (...) Os policiais disseram ser cocaína (...) Na prisão,
desfiguraram meu rosto (...) Só vi o túmulo da minha filha quando comprovaram que era remédio que ela tomava
RESUMO
A desempregada Daniele Toledo do
Prado, 25, de Taubaté, foi
presa em 2006 acusada de
matar a filha ao fazê-la ingerir cocaína. Ficou 37
dias na cadeia, onde foi
agredida. Perdeu visão e
audição do lado direito.
Hoje, move ação de indenização contra o Estado.
Quer usar o dinheiro para
montar uma ONG de ajuda
a crianças com doenças raras, com tinha sua filha.
ROGÉRIO PAGNAN
DE SÃO PAULO
Quando o oxímetro passou a fazer píííííííííííííííí, sabia
que minha filha tinha partido. Meu corpo todo gelou.
Vi a médica Érika Skamarakis caminhar em minha direção. Ela me pegou pelo braço, me arrastou para a sala de
emergência e me empurrou
sobre a maca onde minha filha estava deitadinha, só de
calça, toda entubada. Morta.
Eu não tive reação. Ela, a
médica Érika, começou a gritar. "Olha o que você fez com
sua filha, assassina. Você a
matou com overdose de cocaína". Eu olhava para todos,
médicos e enfermeiros, mas
não conseguia dizer nada.
Estava em estado de choque.
Ali mesmo, na sala de
emergência, um policial disse que eu estava presa.
Acharam na minha casa
uma mamadeira e uma seringa. Dentro tinha pó branco, o
mesmo recolhido da boca de
minha filha por uma enfermeira do pronto-socorro.
Os policiais fizeram um
teste nesse pó e decretaram
ser cocaína. Para eles, o caso
estava esclarecido: eu havia
posto por maldade cocaína
na mamadeira de minha filha e ela morreu de overdose.
O delegado Paulo Roberto
Rodrigues chamou a imprensa. Passei a ser chamada de
"monstro da mamadeira".
Apareceu tudo nas TVs da
cadeia para onde fui levada,
lá em Pindamonhangaba.
De um grupo de 21 presas,
pelo menos 12 delas passaram a espancar o "monstro"
e a "vagabunda" que matou
"sua própria filha". Eu ainda
não conseguia falar nada.
Puxaram meu cabelo, me
jogaram no chão. Recebi
chutes, muros e pauladas.
Quebraram minha clavícula, meu maxilar e desfiguraram todo meu rosto. Diziam que eu precisava sofrer
muito antes de morrer.
Uma presa colocou uma
caneta dentro do meu ouvido, com a ponta virada para o
meu tímpano. Ela pretendia
bater naquilo com um objeto.
Uma outra presa a convenceu a parar. Ela seguiu o conselho, mas antes quebrou a
caneta dentro de mim. Os
funcionários me recolheram
no pátio na manhã seguinte.
Não sei quantos dias fiquei
desacordada no hospital. Sei
que fiquei presa por 37 dias.
Desses, 28 deles passei
sem ver a luz do dia, comendo bolacha de água e sal,
com suco de saquinho. Tinha
medo de ser envenenada.
REMÉDIO
Perdi a audição e a visão
do lado direito do rosto. Ainda sinto dores e precisarei
passar por novas cirurgias
porque os ossos foram calcificados em posição errada.
Só consegui ver o túmulo
da minha filha quando os
laudos comprovaram que o
pó branco, aquele que a polícia afirmou ser cocaína, era
resíduo dos remédios que ela
estava tomando.
Minha vida foi destruída
dessa forma porque 11 dias
antes de minha filha morrer,
fui estuprada dentro do hospital universitário da Unitau,
a Universidade de Taubaté.
Minha filha estava internada para tratamento de saúde, rotina que vivíamos havia três meses. Ela tinha uma
doença rara. No seu cérebro
surgiam feridas e, em razão
delas, ficava inconsciente.
Os medicamentos do misterioso pó branco eram justamente para tratar isso.
Fui estuprada por um aluno-médico. Ele usou um pano com produto químico que
me deixou amolecida.
Enquanto estuprava meu
corpo, também violentava
minha dignidade. Dizia saber que eu precisava do hospital para tentar salvar minha filha e, caso eu o denunciasse, não teria mais ajuda.
A direção do hospital pediu para que retirasse a queixa, mas não aceitei. Ofereceram até um quarto particular
para ficar com minha filha.
No dia 28 de outubro de
2006, na véspera de sua morte, minha filha teve uma nova crise. Fui para o mesmo
hospital universitário, como
havia sido orientada antes.
Mesmo com um encaminhamento assinado por três
médicos, não me deixaram
entrar. Disseram ter uma ordem para que não fosse atendida ali. Corri para outro
pronto-socorro, onde minha
filha morreu horas depois.
FUTURO
Minha filha se chamava
Victória. Dei esse nome porque a gravidez foi complicada. Sobrevivemos por milagre. Tive pressão alta, crises
convulsivas e eclampsia.
Ela nasceu de 7 meses. Nós
ficamos internadas na UTI.
Ela morreu quando tinha 1
ano e 3 meses de idade. Ainda não sei a causa da morte.
Tento, na Justiça, que parte de todo esse meu sofrimento seja reparado. Movo uma
ação de indenização contra o
Estado e ainda aguardo o resultado desse pedido. Peço
dinheiro.
Com ele, quero criar uma
ONG para ajudar crianças
com problemas de saúde
-em especial aquelas com
diagnóstico complicado.
Quero pagar pelos diagnósticos, oferecer assistente
social e pagar pela internação. Isso custa caro.
Quero tentar dar às mães a
ajuda que eu precisei, mas
não tive. Que minha filha
precisou, mas não teve.
Quero tentar ajudar um
pouco das mães violentadas
todos os dias nesse país por
conta de sua classe social.
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