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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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MEMÓRIA ROUBADA

Pelo menos 83 peças já desapareceram neste ano, maior número já registrado desde 94; papéis históricos são novo alvo, diz Iphan

Brasil ainda é incapaz de evitar sumiço de seu patrimônio histórico e cultural

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

O furto de bens do patrimônio cultural brasileiro cresceu em 2003 e exibe hoje sua faceta de negócio: para o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e a Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal), há indícios da atuação de grupos especializados, que agem por encomenda. Em muitos casos, suspeita-se da participação de gente ligada ao mercado de arte.
Em 2003, segundo balanço parcial feito pelo Iphan a pedido da Folha, pelo menos 83 peças desapareceram -78 em Minas Gerais e 5 no Rio. É o maior número desde 1994, também com 83 registros. Em 1993, foram 247 peças. Em 2002 e 2001, há registro de 19 casos. Ao todo, o cadastro do Iphan lista 889 peças do patrimônio hoje procuradas.
Os principais alvos são objetos de arte sacra -imagens de santos, anjos e adornos religiosos- e arqueológicos -como as cerâmicas amazônicas de civilizações indígenas extintas. É comum que peças furtadas em um Estado apareçam para revenda em outro. As peças sacras são revendidas principalmente no mercado interno. Já as cerâmicas indígenas são muito procuradas no exterior.
As urnas arqueológicas amazônicas estão na lista vermelha do Icom (Conselho Internacional de Museus) e são consideradas bens sob risco de roubo.
Segundo o setor de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional da Interpol, pode haver, em determinados casos, o envolvimento de pessoas ligadas ao mercado das artes -como marchands, colecionadores e restauradores- com o furto de peças. Restauradores podem, eventualmente, agir para "mascarar" uma peça, facilitando seu trânsito no mercado.
A Interpol, representada no Brasil pela PF (Polícia Federal), não tem dados exatos sobre furtos, mas informa que há um "boom" de casos em 2003. Muitas peças são recolocadas no mercado anos depois.
"Na maioria das vezes, esses roubos são encomendados. Não parto do princípio de que todo antiquário é ladrão, tem muitas pessoas que trabalham sério. O trabalho errado é encomendar peças para que possam ser jogadas no mercado e abrir espaço para que colecionadores cheguem e digam, eu quero tal peça", afirmou Rogério Carvalho, responsável pelo cadastro de bens culturais procurados do Iphan em Brasília.
Há um mês e meio, a PF de Minas apreendeu 130 peças em antiquários de São Paulo. Um restaurador foi preso, suspeito de pertencer a uma quadrilha especializada. O delegado Ricardo Amaro Oliveira, da PF de Minas, disse que há mais duas pessoas presas e três com prisão decretada.
No final de agosto, foi apreendida no Rio Grande do Sul uma carga de 202 peças de arte, muitas delas de monumentos mineiros.
No Rio, em 17 de agosto foram furtadas cinco peças históricas da igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens, no centro. Em 21 de julho, diz a PF, foi constatado o furto de mais de 2.000 peças da mapoteca do Itamaraty (centro do Rio) -não tombadas pelo Iphan. Nenhum caso foi esclarecido.
O caso do Itamaraty aponta, diz Carvalho, para um novo alvo que começa a atrair os ladrões: os papéis históricos, mais fáceis de transportar. Há ainda casos isolados, como o de dois turistas que roubaram do Copacabana Palace uma estátua emprestada pelo Museu Nacional de Belas Artes. Ela foi achada na Grã-Bretanha.
Uma peça tombada pelo Iphan integra o chamado patrimônio histórico, artístico e cultural brasileiro. A peça dentro de uma igreja tombada não pode deixar o lugar. E, mesmo que seja particular, peça anterior a 1889 é proibida por lei de deixar o país, seja ou não tombada.
O furto e a receptação de peças de patrimônio da União são crimes federais: pena de um a quatro anos. Quem estiver com uma peça furtada, mesmo comprada de boa-fé, tem de devolvê-la.


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