|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOACYR SCLIAR
Desistindo de Natal
Segundo pesquisa do instituto Ipsos,
encomendada pela Associação Comercial de São Paulo, 32% dos consumidores não pretendem fazer
compras neste Natal.
Folha Dinheiro, 9 de dezembro de 2005 ![](http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
"Prezado Papai Noel: há
uma semana eu lhe mandei uma carta com a lista dos
meus pedidos para o Natal. Agora
estou mandando esta outra carta
para dizer que mudei de idéia.
Não vou querer nada. Ontem o
papai nos avisou que não tem dinheiro para as compras do fim de
ano. Papai está desempregado há
mais de um ano. A gente mora
numa cidade pequena do interior, muito pobre. No Natal passado, o prefeito anunciou que tinha um presente para a população: uma grande fábrica viria se
instalar aqui, dando emprego para muitas pessoas. Meu pai ficou
animado. Ele é um homem trabalhador, sabe fazer muitas coisas e
achou que com isso o nosso problema estaria resolvido. Agora,
porém, o prefeito teve de dizer que
a fábrica não vem mais. Não entendo dessas coisas, mas parece
que a situação está difícil.
Portanto, Papai Noel, peço-lhe
desculpas se o senhor já encomendou as coisas, mas infelizmente
vou ter de desistir. Para começar,
não quero aquela bonita árvore
de Natal de que lhe falei -até
mandei um desenho, lembra? Nada de pinheirinho, nada de luzinhas, nada de bolinhas coloridas.
A verdade, Papai Noel, é que essas
coisas só gastam espaço e, como
disse a mamãe, gastam muita luz.
E nada de ceia de Natal, Papai
Noel. Nada de peru. Como eu lhe
disse, nunca comi peru na minha
vida, mas acho que não vai me fazer falta. Se tivesse peru, eu comeria tanto que decerto passaria
mal. Portanto, nada de peru.
Aliás, se a gente tiver comida na
mesa, já será uma grande coisa.
Nada de presentes, Papai Noel.
Não quero mais aquela bicicleta
com a qual sonho há tanto tempo.
Bicicletas custam caro. E além
disso é uma coisa perigosa. O cara
pode cair, pode ser atropelado por
um carro... Nada de bicicleta.
Nada de DVD, Papai Noel. Afinal, a gente já tem uma TV (verdade que de momento ela está estragada e não temos dinheiro para mandar consertar), mas DVD
não é coisa tão urgente assim.
Também quero desistir da roupa nova que lhe pedi e dos sapatos. A minha roupa velha ainda
está muito boa, e a mamãe vai fazer os remendos nos rasgões. E sapato sempre pode dar problema:
às vezes ficam apertados, às vezes
caem do pé... Prefiro continuar
com meus tênis e o meu chinelo
de dedo.
Ou seja: nada de Natal, Papai
Noel. Para mim, nada de Natal.
Agora, se o senhor for mesmo
bonzinho e quiser nos dar algum
presente, arranje um emprego para o meu pai. Ele ficará muito
grato e nós também. Desejo ao senhor um Feliz Natal e um próspero Ano Novo."
Moacyr Scliar escreve às segundas, nesta coluna, um texto de ficção baseado
em reportagens publicadas no jornal.
Texto Anterior: Litoral norte lidera ranking da violência Próximo Texto: Consumo: Consumidor se queixa de promoção feita pela Ambev Índice
|