São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2010

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Noite feliz?

Moradores da avenida Paulista têm de adaptar rotina e sono à muvuca da época de Natal

ELIANE TRINDADE
DE SÃO PAULO

O show vai das 18h às 21h30, a cada 30 minutos, desde o último dia 4. É de parar, literalmente, o trânsito.
Os primeiros acordes de "Jingle Bell", em ritmo de rock and roll, levam a plateia a se espremer na calçada em frente ao Itaú, na esquina da alameda Ministro Rocha Azevedo com a Paulista.
É Natal na avenida símbolo da cidade. Período em que a editora de vídeo Priscila Ribeiro, 29, encara, com muito bom humor, as agruras de morar em um "presépio vivo" que se estende pelos cerca de 2,8 km da Paulista.
Vizinha de três das maiores atrações da decoração natalina da avenida, ela é inquilina de um quarto e sala térreo no Baronesa de Arary, o maior residencial da área, com seus 564 apartamentos.
Noite após noite, ela e o namorado, Miguel Bartolette, 24, convivem com as repetitivas músicas natalinas e os apitos estridentes dos marronzinhos tentando fazer os motoristas avançarem.
Uma simples ida ao supermercado vira uma aventura em meio a centenas de pessoas atrás de papais noeis, trenós e árvores iluminadas.
"Escolhemos a Paulista por causa desse burburinho", diz Miguel, 24, enquanto dribla uma bolha de sabão que tenta imitar neve.
No quarteirão seguinte, em frente ao parque Prefeito Mário Covas, eles precisam se desviar também de uma excursão de 18 moradores do Mandaqui, na zona norte.
"Vamos rodar toda a Paulista até meia-noite", diz a guia Ana Oliveira, 32, enquanto distribui capas de chuva. A próxima parada do tour de três horas é a passarela de 544 m 2 que cruza a Paulista. As atracões são 50 figuras cenográficas animadas.
Metade da calçada foi ocupada por caracol de barras de ferro que organiza a fila.
Morador do Conjunto Nacional, o advogado Cláudio Abrahão, 56, assiste a tudo de "camarote". Do 18º andar, ele desfruta de uma visão privilegiada da beleza e do caos.
"Gosto dessa movimentação típica do Natal. Os transtornos duram só três semanas e vale a pena diante do benefício para a população."
Ele se organiza quando tem que sair de carro nos momentos extras de rush na Paulista natalina. Para o carro em ruas abaixo da muvuca ou aproveita a proximidade com teatros, cinemas e restaurantes para andar a pé.
O morador, então, ganha olhos de turista e aprecia as luzes das 120 árvores iluminadas do parque Trianon.
Apura os ouvidos para os temas natalinos entoados pelos corais. Um deles se apresenta duas vezes por dia em frente ao prédio do Bradesco, decorado como um imenso presente. "É como morar na 5ª Avenida, em Nova York, ou na Champs-Élysees, em Paris", compara Claudio.
O porteiro Gilmar Gonçalves, 40, não entra no clima de euforia. "Nunca gostei de Natal, não tive infância." Por dever de ofício, salienta logo os riscos do aumento de concentração de pedestres na área. "Já vi muita gente distraída com a decoração ter a máquina fotográfica ou o celular roubado", alerta.
Gonçalves aguenta os apitos e a cantoria natalina até as 22h, quando encerra seu turno. Na saída, ainda precisa se esquivar dos pedidos para fazer fotos de famílias.
Priscila resume a cena corriqueira. "Estou cansada de ver "Os Simpsons" na Paulista em tempo de Natal", diz. "É o paizão que desce do carro todo animado, com a máquina em punho e deixa o carro parado na calçada, enquanto a filhinha de colo chora a plenos pulmões e o adolescente, no banco de trás, não esconde a irritação."
A noite feliz do paulistano pode acabar com uma multa de trânsito, seguida de um engarrafamento daqueles para sair da Paulista. Priscila só vai conseguir domir bem depois da meia-noite.


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