São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006 |
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MOACYR SCLIAR Torpedos
1. O torpedo no vestibular
Apesar do fracasso dos quatro vestibulandos que haviam tentado fraudar a prova
mediante mensagens pelo celular,
ela decidiu fazer a mesma coisa.
Em primeiro lugar, porque morava numa cidade muito menor
que o Rio, na qual as medidas de
segurança não eram tão rigorosas. Depois, não recorreria a quadrilha nenhuma, coisa que, segundo imaginava, tornava a operação vulnerável. Em terceiro lugar, não tinha outra opção: não
sabia quase nada, e era certo que
seria reprovada. Por último, havia uma coincidência favorável:
estava com o antebraço esquerdo
engessado. Nada preocupante, e
na verdade ela até poderia ter
tirado o gesso, mas não o fizera e
agora contava com um ótimo
esconderijo para o celular.
Quem mandaria o gabarito? O
namorado, claro. Rapaz inteligente (já estava cursando a faculdade), ele só teria de perguntar as
questões para alguém que tivesse
terminado a prova e enviar o gabarito por torpedo. Quando ela
fez a proposta ao rapaz, ele
pareceu-lhe um tanto relutante,
incomodado mesmo. E no dia do
vestibular ela descobriu por quê.
Quarenta minutos depois de
iniciada a prova, ela recebeu o
tão esperado torpedo. Para sua
surpresa, não continha o gabarito, e sim uma mensagem: "Sinto
muito, mas não posso continuar
namorando uma pessoa tão desonesta. Considere terminada a
nossa relação. PS: boa sorte no
vestibular". Com o que ela foi
obrigada a concluir: tão importante quanto o torpedo é aquele
que dispara o torpedo.
Durante anos ele tentou,
em vão, divulgar seus trabalhos literários. Procurou editoras,
ofereceu-os a jornais e revistas.
Nada. Ninguém queria saber de
seus contos, e até aconselhavam-no a tentar outra coisa. Mas ele
teimava. Tinha certeza de que
um dia seria reconhecido como
escritor, e baseava-se no exemplo
de autores cujo talento não fora
reconhecido em vida. Se pudesse,
publicaria um livro por conta
própria, vendendo-o depois em
entradas de museus, de teatros.
Mas, simples empregado de uma
pequena loja, não tinha dinheiro
para isso. Moacyr Scliar escreve às segundas, nesta coluna, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal. Texto Anterior: Encruzilhada: Jovem demora mais para ter independência Próximo Texto: Há 50 anos: Peru passa a exigir salvo-conduto Índice |
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