São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2011

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Não existe crime organizado sem a polícia, diz sociólogo

Para o pesquisador Cláudio Beato, é bobagem querer policiais honestos numa sociedade cheia de corrupção

Professor afirma ver a necessidade de um sistema de controle das atividades policiais muito mais rigoroso

ITALO NOGUEIRA
DO RIO

O crime organizado só existe com a participação da polícia. Essa é a avaliação do sociólogo Cláudio Beato, diretor do Crisp (Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública) da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Para ele, a corrupção no Rio de Janeiro tem "raízes históricas" e é "bobagem" crer em policiais "anjinhos" enquanto a sociedade brasileira convive com escândalos de corrupção. Beato diz que o Estado precisa de ações mais rígidas contra o desvio policial, como foi feito nos Estados Unidos, e defende Corregedorias independentes.

Folha - Por que casos de corrupção policial se repetem?
Cláudio Beato - É uma bobagem achar que teremos uma polícia de anjinhos com uma sociedade com tantos escândalos de corrupção.
Em Hong Kong, onde fizeram uma reforma grande da polícia nos anos 70, eles a inseriram numa perspectiva maior, no combate à corrupção no serviço público em geral.
No caso do Rio, há ainda raízes históricas, como a ligação com o jogo do bicho.
E há problemas organizacionais. Precisamos ter mecanismos de controle externo e interno da polícia mais afiados.


A corrupção na cúpula não é mais preocupante?
Isso é algo marcante no Rio. Essa euforia com as UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora] acabou obscurecendo o fato de que há muita coisa a ser feita. Uma delas é a reforma da polícia.


Como ela poderia auxiliar no combate à corrupção?
Não existe nenhum caso de controle da criminalidade violenta sem um processo de reforma muito acentuado.
Em Nova York houve na década de 90 um processo de limpeza da polícia muito acentuado. A polícia de lá não era muito diferente da brasileira até os anos 80.


Tendo em vista a raiz histórica do problema no Rio, seria um exemplo a ser tomado?
É uma política de tolerância zero. Mas não faz sentido usá-la contra policiais.


A corrupção no Rio é pior?
É pior, por causa do fenômeno das milícias. Elas conseguem contaminar as representações políticas, a Assembleia [Legislativa], as Câmaras Municipais, as lideranças comunitárias.
Não digo que não ocorra em outros Estados. Acho, inclusive, que isso [a investigação de crime cometidos por policiais] deveria ser tarefa da Polícia Federal.
E não existe crime organizado sem polícia envolvida.


Por quê?
Por definição. O crime só se torna organizado quando tem ao lado dele agentes do serviço público, da polícia...


As Corregedorias não têm condição de controlar?
Temos um modelo muito desfavorável. O delegado da Corregedoria, no ano seguinte, vai trabalhar ao lado do policial que ele investigou.
Nos Estados Unidos, os policiais morrem de medo da Corregedoria.


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