São Paulo, domingo, 20 de março de 2005

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FERTILIDADE

Mesmo sem garantia de sucesso futuro, técnica é adotada por mulheres que querem ser mães após os 35 anos

Jovens congelam óvulo para gravidez tardia

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Juliana Lameirão, 27, que teve óvulos congelados porque quer engravidar a partir dos 35 anos


CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Jovens brasileiras estão congelando óvulos na esperança de garantir uma gravidez após os 35 anos, fase da vida em que há uma queda natural da fertilidade feminina. Existem pelo menos cinco clínicas de reprodução assistida no país que já oferecem, experimentalmente, o serviço.
O assunto, porém, é polêmico e divide opiniões médicas. Especialistas dizem que, apesar de ter sido aprimorada, a técnica de congelamento de óvulos ainda é pobre em resultados. Ou seja, não há segurança de que o óvulo estará viável para a fertilização após o descongelamento.
"É o horizonte dourado da medicina reprodutiva, mas estamos muito longe de atingi-lo. O mundo inteiro está atrás disso", afirma o ginecologista Artur Dzik, responsável pelo serviço de reprodução do hospital Pérola Byngton.
Há críticas também quanto à banalização do uso da reprodução assistida, que deveria ser indicada apenas para casos reais de infertilidade.
"Eu não faria em mulheres saudáveis, que tenham possibilidade de gravidez natural, nem se tivesse 100% de garantia de sucesso", afirma o ginecologista Selmo Geber, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Os especialistas que defendem o congelamento preventivo de óvulos justificam que cada dia mais as mulheres estão deixando para engravidar mais tarde, por razões profissionais ou por ainda não terem encontrado a cara-metade, e o fator idade tardia está entre as principais causas de infertilidade.
"A técnica avançou. Já pode ser usada como aliada da mulher moderna, embora ainda sejam necessárias mais pesquisas para oferecer total segurança", afirma Roger Abdelmassih, que diz não cobrar pelo congelamento nessa fase experimental. A mulher interessada paga a medicação e a aspiração do óvulo, em torno de R$ 5.000.
A veterinária Juliana Lameirão, 27, soube no ano passado da possibilidade de congelamento de óvulo e teve a idéia de fazê-lo porque pretende se especializar no exterior e engravidar a partir dos 35 anos. Ela inicia o tratamento para induzir a ovulação no próximo mês (leia texto nesta página).
A advogada paulista C.L., 37, fez uma estimulação ovariana no ano passado e congelou oito óvulos em uma clínica de São Paulo. O motivo: quer ser mãe, mas descarta a idéia de uma produção independente. "Tenho certeza de que a pessoa certa ainda vai aparecer. Só que, para ser mãe, pode ser tarde demais." Ela assinou um termo em que reconhece ter sido informada sobre a falta de segurança do método experimental.
De acordo com Abdelmassih, as técnicas mais modernas permitem um congelamento rápido que causa muito menos danos aos óvulos. "Antes congelamento era lento e formava cristais de gelo no óvulo. Isso mudou."
Os óvulos são extraídos após um processo de estimulação do ovário. A temperatura é reduzida de 37ºC a -196ºC, que corresponde à temperatura do nitrogênio líquido, em que os óvulos ficam armazenado por tempo indefinido. Após o descongelamento, os óvulos são fecundados por meio da ICSI, técnica de fertilização em que se injeta um único espermatozóide no óvulo.
Com esses cuidados, Abdelmassih diz conseguir recuperar de 80% a 90% dos óvulos e, desses, de 70% a 75% vão formar embriões. Ele não arrisca o índice de gravidez por meio de óvulo congelado em razão do pequeno número de nascimentos registrados até agora no mundo. Nos últimos sete anos, não passam de 30, segundo dados disponíveis em periódicos científicos.

Estatísticas
Abdelmassih diz ter registro de duas gestações por meio dessa técnica. Ambas tinham em média dez óvulos congelados.
Uma delas é da publicitária P.C.S., 32, que, no início do ano passado, decidiu congelar os óvulos que sobraram do processo de fertilização in vitro. Como não engravidou, usou os óvulos congelados no processo seguinte, que aconteceu três meses depois.
Era a terceira tentativa de reprodução assistida de P., que enfrentava dificuldades de gravidez em razão da baixa quantidade de espermatozóides apresentada pelo marido, o engenheiro N.F.S., 37. "Quase não acreditei quando a gravidez foi confirmada. A surpresa maior foi quando descobrimos que serão gêmeos", conta P, na 15ª semana de gestação.
Na avaliação de dez médicos da área de reprodução assistida, o índice de recuperação dos óvulos e o de gravidez obtida mencionado por Abdelmassih está longe da realidade publicadas em revistas científicas de renome.
De acordo com Artur Dzik, os dados científicos disponíveis indicam que a taxa de gravidez após um óvulo descongelado é de 1%. Ou seja, em tese, seriam necessários cem óvulos para se obter uma gravidez.
A ginecologista Maria do Carmo Borges, presidente da SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida), não vê problemas em oferecer o serviço desde que o médico informe à paciente que a técnica é experimental e que não é possível garantir que ela vá engravidar no futuro.
O ginecologista Arnaldo Schizzi Cambiaghi conta que tem sido comum ser procurado por mulheres acima de 30 anos preocupadas com a aproximação do fim da idade fértil. Cinco delas, mesmo cientes da limitação da técnica de congelamento, decidiram guardar preventivamente óvulos.
Outras oito pacientes congelaram porque houve excesso no tratamento de reprodução assistida. "Elas preferem congelar o óvulo ao embrião para evitar dilemas éticos [em caso de descarte]."
Cambiaghi conta que nas duas oportunidade em que descongelou óvulos para tentar uma gravidez, a maioria deles sobreviveu, mas não produziu embriões viáveis. "O sêmen era de má qualidade", justifica o médico.
O congelamento de óvulos sempre foi um desafio na área da reprodução assistida. Os espermatozóides são congelados com sucesso há mais de 50 anos, e os embriões há quase 15. Os óvulos, porém, esbarravam em dificuldades técnicas.
Uma delas era que, na hora do descongelamento, muitos não suportavam o processo e "estouravam". Em média, apenas 10% sobreviviam. Outro problema eram as alterações cromossômicas que apareciam após o processo, que inviabilizava a sua utilização.


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