São Paulo, terça-feira, 20 de abril de 2004

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SISTEMA PRISIONAL

Presos exigem melhoria na alimentação e mantêm 170 parentes como reféns para impedir entrada da PM

Amotinados matam oito em Porto Velho

TIAGO ORNAGHI
DA AGÊNCIA FOLHA

Uma rebelião na Casa de Detenção José Mário Alves, mais conhecida como Urso Branco, em Porto Velho (RO), deixou, pelo menos, oito mortos. Cinco das mortes ocorreram ontem; as outras três, durante o final de semana.
O motim começou no final da tarde de sexta-feira. As negociações foram interrompidas ontem à noite. Cerca de 170 parentes de presos eram mantidos dentro do presídio pelos internos.
Segundo a Secretaria da Segurança, Defesa e Cidadania, os detentos foram mortos pelos colegas a golpes de armas artesanais, fabricadas dentro da cadeia, barras de ferro e pedaços de madeira.
Ontem, os rebelados mostraram, em cima do telhado da penitenciária, uma cabeça decapitada de um preso e partes esquartejadas de outro detento assassinado. Eles teriam atirado os corpos dos demais mortos no pátio interno.
O preso decapitado foi identificado como sendo Izaque Monteiro do Espírito Santo. A Secretaria da Segurança não conseguiu dizer quem era o esquartejado. As identidades dos demais mortos não haviam sido confirmadas. A secretaria aguardava o encerramento da rebelião para recolher e identificar todos os mortos.
O motim começou na sexta-feira, após uma briga interna. Os internos se rebelaram contra a qualidade da comida servida e contra a irregularidade das refeições. Eles também pediam a substituição da administração do presídio.
Segundo a mulher de um preso, que preferiu não se identificar, é comum não haver comida para todos os detentos e, em alguns dias, é servida apenas uma refeição. Segundo a secretaria, há cerca de 1.300 pessoas cumprindo pena na cadeia -que tem capacidade para 350 presos.
"Nós reclamamos da comida que nos servem e da falta de medicamentos. Existe gente com HIV aqui dentro que não recebe medicação. Se o governo [estadual] não resolver a situação, podemos continuar matando gente", disse um dos internos do Urso Branco por meio de um telefone celular.
O preso, que não se identificou, disse ainda que "diversas pessoas já cumpriram a pena integralmente". Segundo a assessoria de imprensa da secretaria, "as reclamações não procedem, mas a situação daqueles que, porventura, já tenham cumprido as suas penas será verificada".
Cerca de 170 familiares de presos estavam sendo mantidos dentro do Urso Branco. Segundo a Secretaria da Segurança, eles não são considerados reféns porque se recusaram a deixar o presídio.
Eles seriam mantidos ali para evitar que a Polícia Militar invadisse o local. Cerca de 70 PMs entraram na manhã de ontem em parte da cadeia.
Ainda segundo a secretaria, 160 detentos que estavam sob ameaça de morte por seus colegas foram isolados em uma área administrativa, inacessível aos rebelados.
Segundo o preso que falou com a reportagem, a rebelião começou na sexta-feira, quando dois detentos foram mortos por colegas.
As vítimas, de acordo com a secretaria, eram Jailson Quintino de Lima e Israel Márcio Soares.
Com a deflagração do motim, as reivindicações quanto à comida e aos medicamentos vieram à tona. Os detentos do Pavilhão 1 impediram a saída das visitas e tomaram o prédio. Na tarde de domingo, Luciano Teotônio dos Santos, o Pezão, foi morto a pauladas.
O secretário da Segurança Pública, Paulo Roberto Oliveira de Moraes, representantes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), do Ministério Público Estadual, do Poder Judiciário e da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Porto Velho ficaram reunidos dentro do presídio para negociar o fim da rebelião até as 20h30 (21h30 em Brasília).
Os rebelados exigiam a presença do governador Ivo Cassol (PSDB), que cancelou uma viagem para acompanhar as negociações, mas não foi até o presídio.
O governador atribuiu a rebelião à "superlotação" e à revista realizada pelas autoridades.
Segundo Cassol, metade dos cerca de 4.000 detentos do Estado são presos federais, daí a necessidade de um presídio da União, que ainda não saiu do papel.


Colaborou o enviado especial a Porto Velho


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