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BARBARA GANCIA
Um dia de fúria
Em sistema que divide alunos entre "vencedores" e "perdedores", Seung-hui deve ter sido invisível
MARQUEI UM PROGRAMA interessante para o próximo
domingo. Vou à casa do
meu mais antigo e querido amigo assistir a uma sessão dupla de cinema,
com direito a pizza e debate depois
de terminada a exibição.
Os filmes escolhidos são "Elefante", de Gus Van Sant, um drama seco
com final trágico que se desenrola
em uma "high school" norte-americana, e "Bang Bang, Você Morreu",
telefilme extraído de uma peça de
teatro, sobre um rapaz que tem tudo
para terminar como o estudante
Cho Seung-hui, que provocou a matança na Virginia Tech. Seu autor,
William Mastrosimone, colocou o
texto original da peça na internet,
para que ele seja encenado no maior
número de escolas possível.
Já assisti aos dois filmes e quero
compartilhar com o nobre leitor de
alguns argumentos que pretendo levar ao debate. Veja só: no ano passado, impressionou-me a pesquisa
"Garis - um estudo de psicologia sobre invisibilidade pública", realizada
pelo psicólogo Fernando Braga da
Costa para a sua tese de mestrado.
Depois de ler sobre a experiência
de Costa -que foi ser gari a fim de
sentir na pele como as pessoas que
realizam o trabalho de limpar as
ruas são ignoradas, a ponto de se tornarem "invisíveis"-, passei a cumprimentar e a distribuir sorrisos a
todo santo gari que vejo na rua.
Pois a primeira coisa que me veio
em mente quando tomei conhecimento do tiroteio na Virgínia foi o
estudo sobre os garis invisíveis.
Lembro bem de gente como Cho
Seung-hui nos meus tempos de escola. Estudei com um bom número
de orientais extremamente aplicados e sei como os mais "nerds" e introvertidos eram ignorados pelos
demais alunos. Imagino que Cho
Seung-hui também fosse invisível
no cruel sistema de ensino existente
nos Estados Unidos, em que, desde
muito cedo, crianças são divididas
entre "winners" (vencedores) e "losers" (perdedores).
Qualquer um que já tenha assistido a um filme cujo tema é uma "high
school" sabe do que estou falando.
Se você é "popular", estará com a vida ganha. Mas se for pobre, feio, gordo, diferentão, ruim de esportes ou
simplesmente tímido, correrá o sério risco de passar sua inteira carreira escolar sofrendo todo tipo de abuso e esculhambação.
Cho Seung-hui era esquisitão e
travado. Socialmente, devia ser um
zé ninguém. Dá para imaginar como
tenha sido a vida escolar dele. Mas,
talvez, o filho de tintureiros não teria alcançado a fama instantânea, se
os EUA não tivessem leis tão vergonhosas sobre armas de fogo. Leis
que nós resolvemos macaquear no
referendo sobre a comercialização
de armas e munições de 2005.
Pensando bem, talvez devesse propor a inclusão de mais um DVD na
sessão de cinema de domingo. Acho
que poderíamos assistir também a
"O Júri" ("Runaway Jury"), com
John Cusack, Rachel Weisz e Gene
Hackman, aquele filme que fala sobre como o lobby das armas atua.
Quem sabe, se o pessoal da Virginia Tech tivesse feito o exercício que
me proponho a fazer no domingo,
eles agora não estariam debatendo
sobre se devem ou não continuar a
mencionar o nome de seu aluno
mais inglório no jornal da universidade, que você pode acessar em:
www.planetblacksburg.com.
barbara@uol.com.br
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