Despachantes cobram de R$ 300 a R$ 800 e prometem documentação em até 5 dias

Despachantes e agentes de viagem pagam pessoas para monitorar 24 h por dia a agenda on-line de entrevistas para tirar o documento

RICARDO SANGIOVANNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Furar uma fila de dois meses e agendar a retirada do passaporte para até cinco dias sai entre R$ 300 e R$ 800 em São Paulo. É a propaganda que fazem despachantes da capital, por telefone, pela internet e até em bancas armadas em frente à sede da PF (Polícia Federal), na Lapa de Baixo (zona oeste).
A estratégia mais conhecida para furar a fila é uma artimanha simplória: despachantes e agentes de viagem pagam pessoas para monitorar 24 h por dia a agenda on-line de entrevistas para tirar o passaporte, de olho nas vagas que aparecem por desistência ou cancelamento. É só surgir uma vaga e o cliente é encaixado.
"Não tem nada de cambalacho. O sistema [de agendamento on-line] é que tem que funcionar. Como não funciona, a gente faz funcionar", ironiza um despachante, em uma das duas barracas em frente ao prédio, que funcionam à luz do dia.
O agendamento on-line foi implantado em agosto do ano passado justamente para combater a ação de pessoas que vendiam lugares nas filas.
Com a substituição do antigo passaporte pelo novo, a espera para retirar o documento em São Paulo mais que dobrou. Ontem, por exemplo, o mecânico de aviões Lucído da Silva, 49, dava entrada no passaporte após esperar 61 dias. Em março de 2007, eram 30 dias.
A demora é um prato cheio para os oportunistas. Durante a semana passada, a reportagem consultou agências de viagem e despachantes, passando-se por uma pessoa com pressa para renovar passaporte e obter um visto de entrada nos EUA.
"Marco para quando você quiser, para hoje, para amanhã, para depois de amanhã", disse um despachante contatado por telefone. A rapidez tem preço salgado. "R$ 800. Um cheque para o dia [da entrega dos documentos], outro para 30 [dias]", disse. Mas o serviço é completo. "Mando um motoboy aí pegar os documentos."
Outra proposta, mais em conta, só cobra pelo serviço na saída da entrevista. "Você cadastra os seus dados no nosso site, a gente marca em até cinco dias. Você me paga R$ 300, em dinheiro, em frente à PF", propôs um despachante.
Um agente de viagem, diante da urgência da suposta viagem, não hesitou em indicar os serviços emergenciais. "Não aconselharia você a depender do site da PF. Gastaria a mais pagando o valor cobrado pelo despachante", disse via e-mail.

Consulado
Os mesmos despachantes que trabalham em frente à PF atuam em frente ao consulado dos EUA, na zona sul. Por lá, a agenda de entrevistas é ainda mais lotada que a do passaporte -a espera chega a três meses.
E onde há fila lá estão os despachantes. "Não quis esperar. Já agendei com antecipação, conseguiram com 15 dias", disse a estudante Carolina (nome fictício), na sala de espera de uma agência de despachos em frente ao consulado. Ontem, ela se preparava para entrar para a entrevista. Em maio irá a Nova York, a passeio. O serviço custou R$ 300.

Urgência
Para quem precisa do passaporte com urgência, mas não pode pagar os despachantes, resta a chance de ir à sede da PF, onde é possível ser atendido no mesmo dia, sem agendar. De hora em hora, um funcionário da PF faz entrevistas de 30 segundos com cada pessoa. Antes, dá as instruções. "Passaporte de emergência só para quem está doente gravemente. Trabalho, estudo, nada autoriza, tá bom? É uma conversa vapt-vupt. Se me convencer eu autorizo; se não, não autorizo."
Conseguir dar entrada no documento, nesse caso, é uma espécie de roleta russa. Os critérios justificaram a negativa dada à médica Silvia (nome fictício), 35, que tentava a benesse pela segunda vez -ela quer ir aos EUA em maio, a passeio.
As regras, no entanto, não eliminaram a mãe dela, Maria Eugênia (nome fictício), 63, que pretende viajar junto com a filha e conseguira o passaporte no dia anterior. "Ele disse que pelo motivo [turismo] não passaria, mas que iria liberar por causa da idade."


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