São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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SP também tem clínicas semelhantes

Apesar de cenário ideal para descanso, unidade impõe rotina rígida aos internos, com horários determinados e "chamada"

Especialista afirma que internação é apenas parte do tratamento; índice de sucesso no processo de reabilitação é de 30%

DA REVISTA

A reportagem visitou uma clínica em São Paulo para mostrar como é o tratamento. Da casa da administração, na parte alta do terreno, avistam-se a piscina, uma massa verde de árvores pontuada pelo roxo das flores das quaresmeiras e outras casas semelhantes, baixas e cercadas por plantas. Não é luxuoso, mas dá a idéia de um bom lugar para descansar.
Nesse cenário de hotel-fazenda, os hóspedes não estão de férias nem fizeram reserva antecipada. O pacote que compraram foi outro: abuso de álcool e drogas, desenvolvimento de dependência química, surtos causados pelo excesso de droga ou pela falta dela, tentativas variadas de recuperação seguidas de recaídas.
Na unidade de Vargem Grande Paulista (Grande São Paulo) do Centro Paulista de Recuperação, a população internada para a chamada reabilitação é variada. Jovens na faixa dos 20 anos viciados em crack e outras drogas, dependentes de álcool passados dos 50 anos. São universitários, empresários, profissionais liberais e funcionários públicos e de nível médio.
Todos, dos que acabaram de ser internados aos que estão completando os quatro meses regulamentares de permanência nessa clínica, têm, em primeiro lugar, uma mesma expectativa: sair dali. Para alguns é ir embora. Ponto. Para outros, é sair para tentar reconstruir a vida que tinham, ou queriam ter, antes da desestruturação psíquica, física e social causada pela dependência.
A rotina é pré-determinada, com horários rígidos e "chamada", para confirmar a presença de cada interno. A participação não é obrigatória, mas ausências e a não-realização de tarefas fazem com que o paciente perca pontos -no Centro Paulista de Recuperação, os pacientes são avaliados com um sistema de pontuação que determina a permissão para telefonemas, visitas e licenças.
A programação diária inclui oficinas de arte-terapia, aulas de educação física, palestras, atendimento individual e grupos terapêuticos -estes desenvolvem, mais especificamente, o programa dos 12 passos, mesmo método da Promises, em Malibu, o que envolve a admissão pessoal do problema, realização de inventários de vida e apoio social do grupo.
"No Brasil, 95% das clínicas e comunidades terapêuticas seguem esse modelo. Pode haver diferenças, mas, basicamente, a internação é uma imersão nessa filosofia", diz Ronaldo Laranjeira, coordenador da Uniad (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas) da Faculdade de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
No passo a passo da reabilitação, a internação é apenas uma das variáveis. "É indicada em alguns casos, mas não é a única opção", diz o psiquiatra Arthur Guerra, presidente do Centro de Informações sobre Álcool. "Se há um bom diagnóstico e orientação médica, a desintoxicação pode ser feita em casa."
Guerra considera a internação uma pequena parte do processo de recuperação e diz que, para ser efetiva, o paciente deve aceitar a idéia de que vai precisar continuar em tratamento depois que sair da clínica.
Outra questão importante é a tendência de a família esperar um milagre, diz Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes) e professor de psiquiatria da Unifesp. "A internação não tem essa eficácia."
Em geral, o índice de sucesso na reabilitação fica em 30%. Se o tratamento juntar medicamentos, psicoterapia e apoio social, a chance de recuperação sobe para 40%. Se utilizar só um desses recursos, cai para 20%. "Com os medicamentos de hoje, é possível se desintoxicar em cinco dias", diz Silveira.
Mais demorada é a etapa seguinte: reaprender a viver sem a droga. "O processo pode levar um ano. Para ajudar, podemos usar medicamentos, psicoterapia intensiva, grupos de apoio."
Se parece mais fácil fazer tudo isso dentro de uma clínica, há também as desvantagens da internação. "É um ambiente artificial", diz Laranjeira. "Além disso, a motivação pessoal conta muito. E a maioria das internações é feita à revelia do paciente." (IARA BIDERMAN)


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