São Paulo, segunda-feira, 20 de abril de 2009

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Fóruns guardam arsenal de modo precário

Justiça de SP estoca 240 mil armas em 678 prédios; a maioria com segurança frágil, junto a outras provas, como fraldas

Reportagem entrou e saiu de local onde armamento é guardado sem ser parada pela segurança; prédios bem equipados são minoria

ROGÉRIO PAGNAN
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Um arsenal de cerca de 240 mil armas de fogo, suficiente para equipar quase duas vezes todos os policiais militares e civis de São Paulo (121.913), está armazenado nos 678 fóruns do Estado de maneira precária. Há desde armas de fabricação caseira até fuzis e metralhadoras.
Sem local exclusivo para guardar esse arsenal, juízes são obrigados a misturar as armas com outras provas judiciais, como brinquedos, fraldas e até estocá-las em depósitos improvisados em garagens. Há prédios bens equipados, com salas-cofres e sistema eletrônico de segurança, mas eles são minoria.
A equipe de segurança também é deficiente. Para os 678 prédios, a Justiça tem só 350 vigilantes, mas que não são exclusivos para o armamento. Para minimizar o problema, juízes solicitam o auxílio de policiais militares ou de vigias emprestados por prefeituras.
O perigo do armazenamento precário é o risco de as armas voltarem às mãos de criminosos. Como ocorreu, por exemplo, em abril de 2005, quando 50 armas do fórum de Mauá (ABC paulista) sumiram. Uma delas foi encontrada, mais tarde, na Penitenciária de Araraquara (273 km de SP). Segundo investigações, ia servir para a fuga de Marco Herbas Camacho, o Marcola, considerado o chefe da facção criminosa PCC.
"A segurança não é adequada em nenhum prédio. É uma coisa que a gente evita até comentar para não despertar a sanha de gente que possa tentar eventualmente fazer mal a algum juiz e tudo mais", disse o vice-presidente da Associação Paulista de Magistrados, Paulo Mascaretti, que defende a autonomia financeira do Judiciário paulista para tentar resolver este e outros problemas.
Os recentes roubos de armas, um no Centro de Treinamento Tático de Ribeirão Pires (Grande SP) e o outro no quartel do Exército, em Caçapava (116 km de SP), deixaram juízes ainda mais preocupados. Há magistrados, segundo a reportagem apurou, que optam por fazer boa parte do trabalho em casa.
A Folha visitou um fórum na Grande São Paulo e verificou a fragilidade do prédio. Dois repórteres passaram pelo detector de metal com computador portátil e máquina fotográfica na mochila. O alarme tocou várias vezes, mas não havia ninguém para olhar a bolsa.
Nesse prédio (não identificado por razões de segurança), as armas são guardadas na garagem e um único manobrista faz a "guarda". Os repórteres, sem identificação, ficaram no prédio por 40 minutos e visitaram também a garagem. Ninguém fez qualquer questionamento.

Ilusão de segurança
Uma comissão do Tribunal de Justiça estuda, em sigilo, formas de resolver o problema.
A situação é considerada tão grave que o Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente) tornou sigilosa uma pesquisa que pretendia divulgar em 2007 sobre "O Controle de Armas Apreendidas pela Polícia". Os pesquisadores ficaram temerosos em chamar a atenção para a fragilidade do sistema.
"As pessoas pensam que existe um controle muito mais efetivo do que o que há de verdade. Isso nos assustou. Meu dilema era: dizer que não funciona e chamar a atenção, ou deixar todo mundo achando que funciona?", diz a coordenadora da pesquisa, Isabel Figueiredo.
"O Judiciário não é o vilão. É refém. Não está sendo incompetente no jeito de gerenciar. Ele suporta o ônus de um sistema totalmente errado", afirma.
As armas, para a Justiça, são "coisas apreendidas" -como um cartucho de impressora ou uma fralda. Por lei, só podem ser destruídas no final do processo, que dura em média cinco anos. Entre 2004 e 2008, por exemplo, a polícia paulista apreendeu 136.336 armas -ou uma a cada 20 minutos.
Enquanto não percorridas todas as instâncias do Judiciário, a arma fica lá, parada. Há casos, como admitem juízes, em que elas ficam até depois disso. O processo vai para o arquivo, mas a arma fica.


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