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Fóruns guardam arsenal de modo precário
Justiça de SP estoca 240 mil armas em 678 prédios; a maioria com segurança frágil, junto a outras provas, como fraldas
Reportagem entrou e saiu de local onde armamento é guardado sem ser parada pela segurança; prédios bem equipados são minoria
ROGÉRIO PAGNAN
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Um arsenal de cerca de 240
mil armas de fogo, suficiente
para equipar quase duas vezes
todos os policiais militares e civis de São Paulo (121.913), está
armazenado nos 678 fóruns do
Estado de maneira precária. Há
desde armas de fabricação caseira até fuzis e metralhadoras.
Sem local exclusivo para
guardar esse arsenal, juízes são
obrigados a misturar as armas
com outras provas judiciais, como brinquedos, fraldas e até estocá-las em depósitos improvisados em garagens. Há prédios
bens equipados, com salas-cofres e sistema eletrônico de segurança, mas eles são minoria.
A equipe de segurança também é deficiente. Para os 678
prédios, a Justiça tem só 350 vigilantes, mas que não são exclusivos para o armamento. Para minimizar o problema, juízes solicitam o auxílio de policiais militares ou de vigias emprestados por prefeituras.
O perigo do armazenamento
precário é o risco de as armas
voltarem às mãos de criminosos. Como ocorreu, por exemplo, em abril de 2005, quando
50 armas do fórum de Mauá
(ABC paulista) sumiram. Uma
delas foi encontrada, mais tarde, na Penitenciária de Araraquara (273 km de SP). Segundo
investigações, ia servir para a
fuga de Marco Herbas Camacho, o Marcola, considerado o
chefe da facção criminosa PCC.
"A segurança não é adequada
em nenhum prédio. É uma coisa que a gente evita até comentar para não despertar a sanha
de gente que possa tentar eventualmente fazer mal a algum
juiz e tudo mais", disse o vice-presidente da Associação Paulista de Magistrados, Paulo
Mascaretti, que defende a autonomia financeira do Judiciário
paulista para tentar resolver
este e outros problemas.
Os recentes roubos de armas,
um no Centro de Treinamento
Tático de Ribeirão Pires (Grande SP) e o outro no quartel do
Exército, em Caçapava (116 km
de SP), deixaram juízes ainda
mais preocupados. Há magistrados, segundo a reportagem
apurou, que optam por fazer
boa parte do trabalho em casa.
A Folha visitou um fórum na
Grande São Paulo e verificou a
fragilidade do prédio. Dois repórteres passaram pelo detector de metal com computador
portátil e máquina fotográfica
na mochila. O alarme tocou várias vezes, mas não havia ninguém para olhar a bolsa.
Nesse prédio (não identificado por razões de segurança), as
armas são guardadas na garagem e um único manobrista faz
a "guarda". Os repórteres, sem
identificação, ficaram no prédio por 40 minutos e visitaram
também a garagem. Ninguém
fez qualquer questionamento.
Ilusão de segurança
Uma comissão do Tribunal
de Justiça estuda, em sigilo,
formas de resolver o problema.
A situação é considerada tão
grave que o Ilanud (Instituto
Latino-Americano das Nações
Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente) tornou sigilosa uma pesquisa que pretendia divulgar em
2007 sobre "O Controle de Armas Apreendidas pela Polícia".
Os pesquisadores ficaram temerosos em chamar a atenção
para a fragilidade do sistema.
"As pessoas pensam que existe um controle muito mais efetivo do que o que há de verdade.
Isso nos assustou. Meu dilema
era: dizer que não funciona e
chamar a atenção, ou deixar todo mundo achando que funciona?", diz a coordenadora da
pesquisa, Isabel Figueiredo.
"O Judiciário não é o vilão. É
refém. Não está sendo incompetente no jeito de gerenciar.
Ele suporta o ônus de um sistema totalmente errado", afirma.
As armas, para a Justiça, são
"coisas apreendidas" -como
um cartucho de impressora ou
uma fralda. Por lei, só podem
ser destruídas no final do processo, que dura em média cinco
anos. Entre 2004 e 2008, por
exemplo, a polícia paulista
apreendeu 136.336 armas -ou
uma a cada 20 minutos.
Enquanto não percorridas
todas as instâncias do Judiciário, a arma fica lá, parada. Há
casos, como admitem juízes,
em que elas ficam até depois
disso. O processo vai para o arquivo, mas a arma fica.
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