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MOACYR SCLIAR
A vez dos excluídos
Ali ele ficaria com a família Obama, na qualidade de primeiro-cão. Algo com que nunca se atrevera a sonhar
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Cão de Obama foi rejeitado antes de ir
para a Casa Branca. Se alguém duvidava
que Obama faria o governo dos excluídos
nos Estados Unidos, eis a prova. A família presidencial norte-americana recebeu na Casa Branca o tão aguardado
mascote: Bo, um cão-d'água português
de seis meses, com pelagem preta e branca e muita energia. Justamente por conta dessa "eletricidade" canina, o animal
havia sido devolvido por sua primeira família à criadora Martha Stern, do Texas.
Folha Online
DESDE O COMEÇO ficou claro
que Bo não era bem-vindo
ali. Em primeiro lugar, era
agitado demais para o gosto dos donos da casa, um casal de meia-idade
que se orgulhava do seu passado
aristocrático e que o tratava com
certa arrogância. A agitação de Bo
era em grande parte resultado disso,
da ansiedade que sentia diante daquelas pessoas tão altivas: corria de
um lado para outro, sem saber o que
fazer para agradar-lhes.
Mas pior ainda que o casal era
George Fielding 3º, o outro cão da
casa. Um galgo de fina estirpe, cujas
origens remontavam a cães criados
em palácios da Europa. George Fielding 3º não escondeu o seu desagrado ao saber da vinda de Bo. Era com
o maior desprezo que olhava o recém-chegado. Que era, afinal, um
humilde cão-d'água, de origem portuguesa. Origem portuguesa, onde
já se viu! Quem eram os portugueses, afinal? Certo, podia-se falar de
um Vasco da Gama ou de um Camões, mas nos Estados Unidos, os
portugueses eram imigrantes pobres, humildes, que tinham vindo
para a costa leste como tripulantes
de baleeiros. Bo deveria, portanto,
recolher-se à sua insignificância.
Nos domínios de George Fielding 3º
-e esses domínios incluíam praticamente toda a vasta e luxuosa mansão- não poderia jamais penetrar.
Sobrava-lhe um pequeno território.
E ele que corresse à vontade ali; que
se espojasse no chão que, enfim, fizesse o que tinha vontade na inútil
tentativa de chamar a atenção dos
donos.
A agitação de Bo acabou tendo resultados desastrosos. Numa de suas
corridas ele derrubou um raro e precioso vaso chinês da dinastia Ming,
orgulho dos donos da casa. A senhora, em particular, aborreceu-se muito. Exigiu que o marido devolvesse
"aquele bicho estúpido", segundo
sua expressão, à criadora. E assim foi
feito. De repente, Bo estava de volta
a seu lugar de origem, um canil do
Texas, no meio de cães agitados e barulhentos como ele fora. Agora, porém, mostrava-se triste, deprimido.
Era um excluído, e provavelmente
terminaria a sua vida assim.
Um dia, porém, vieram buscá-lo:
Bo teria um novo lar. Ficou surpreso: quem o quereria? Algum operário, decerto, talvez um desempregado em busca de companhia. Mas
não, levaram-no para um lugar famoso, em Washington: a Casa Branca. Ali ele ficaria com a família Obama, na qualidade de primeiro-cão.
Algo com que nunca se atrevera a sonhar. Naquele momento ele pensou
em George Fielding 3º. Que inveja
deveria estar sentindo o galgo, que
inveja! Naquele momento certamente estaria bolando um complô
para derrubar o presidente. Ou,
quem sabe, rememorando alguma
piada de português.
A Bo isso não importava. Um dia
os excluídos também têm sua vez, e
a vez dele chegara.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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