|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Para que se educa?
MICHELLE PRAZERES
ESPECIAL PARA A FOLHA
No ato de uma empresa de
turismo usar escolas como mídias para divulgar viagens à
Disney está em jogo, acima de
tudo, uma concepção de educação. Para que educamos? Para o
desenvolvimento? Para o crescimento? Para sermos bem-sucedidos no mercado de trabalho? Para a vaidade e o hedonismo? Para a cidadania e a dignidade? Ou a ênfase está na formação de consumidores?
Interessa aqui discutir a educação como processo amplo de
formação dos indivíduos, socializados por influência de múltiplas matrizes culturais, que
transmitem valores, visões de
mundo, saberes e percepções.
Na modernidade, as mídias e
a publicidade despontam como
matrizes que -com a família, a
escola, os grupos de pares, os
colegas de trabalho e outras
instituições- são responsáveis
pela formação das pessoas.
Nessa iniciativa, a escola se
alinha ao discurso do consumismo que vemos hoje em dia,
em especial na mídia dirigida a
crianças. Quando a escola se
entrega a esse projeto, fica
comprometido o seu papel enquanto reduto de reflexão e o
sentido da educação como processo de preparação para a vida.
A escola é o lugar do saber legítimo, que se crê oficialmente
importante para ser passado. O
problema é que, historicamente, esse saber é produto de disputas de poder nem sempre democráticas. E se, nos tempos
modernos, um dos vetores de
poder é a publicidade (o mercado), seria "natural" que ela estivesse na escola.
Mas, se o "clima pró-consumo" já existe em tantas outras
instâncias, a escola deve reforçá-lo? Ceder ao apelo publicitário é empobrecer o sentido humano da educação. E esse sentido enxerga nas crianças outras possibilidades além de
consumidores: leitores, produtores de conhecimento, investigadores, críticos, lúdicos etc.
Hoje, todo espaço público,
todo corpo pode virar um meio
de divulgar uma marca. Na escola, a criança percebe aquele
discurso como positivo e, mais
grave, que tem o respaldo de
pessoas em quem ela e os pais
confiam. E tudo de maneira dócil. Por isso não nos causa incômodo. Mas deveria incomodar.
MICHELLE PRAZERES, jornalista, desenvolve
pesquisa sobre a entrada das mídias nas escolas
em doutorado na Faculdade de Educação da USP.
Texto Anterior: Outro lado: Para agência e escola, placa é só brincadeira Próximo Texto: Entrevista: "Escola é diferente de shopping" Índice
|