São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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GILBERTO DIMENSTEIN

A ignorância é o pior desperdício de energia

O noticiário sobre o risco de colapso já foi suficiente para fazer o consumo de energia cair 10% e ajudou a afastar, mesmo que temporariamente, os apagões.
Para que tal redução ocorresse, não se fez sacrifício algum e não havia ainda nenhuma ameaça de multa: cortaram-se, simplesmente, os desperdícios, as luzes que ficavam acesas sem necessidade.
Há no ar uma sensação de medo e de derrota: o país estava embalado pela convicção de que, depois de tantos tropeços, a economia continuaria crescendo e gerando empregos. Ninguém sabe agora qual será o tamanho da tragédia.
Em meio a sombrias previsões -semáforos desligados, salas de cirurgia às escuras, ataques de bandidos nos bairros sem iluminação-, a população recebe aulas de alfabetização energética.
Fica sabendo quais aparelhos eletrodomésticos consomem mais e o custo que o seu uso representa por mês; descobre a voracidade de um ar-condicionado ou de um chuveiro e a possibilidade de usar lâmpadas mais econômicas. A maioria dos cidadãos, entre os quais este colunista, nunca se deu ao trabalho de analisar a evolução de suas contas de energia elétrica, devido à suposição de que não houvesse risco de escassez.
Só na distribuição, segundo o governo, já há uma perda desnecessária, equivalente a 13% do total -quando o padrão internacional não ultrapassa 6%.

Por causa da ilusão de abundância, não se investiu na reciclagem de resíduos, que, se não fossem apenas lançados no ambiente, poderiam produzir energia. Desperdiçam-se, diariamente, os raios solares -tão intensos no país-, que também poderiam compensar a carência de energia hidrelétrica.
Pela primeira vez, a nação aprende, de fato, o valor da energia, ao avaliar os possíveis transtornos em sua rotina: desaparece a sensação de abundância e constatam-se, além da irresponsabilidade dos governantes, com o presidente Fernando Henrique Cardoso à sua frente, os desperdícios privados.

A energia está, no momento, no topo das preocupações, mas encontram-se displicências em todos os segmentos da vida do país, acarretando monumentais prejuízos -a corrupção, crônica e disseminada, é, em essência, modalidade de desperdício. Afinal, recursos que deveriam ser drenados ao combate à miséria acabam em bolsos inescrupulosos.
Além do racionamento de energia, São Paulo está na expectativa do rodízio de água. E a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) tem uma perda diária de 35% de sua produção de água.
É fácil perceber o que significa o mau uso dos recursos naturais quando não se pode tomar banho ou assistir à TV; são carências palpáveis e visíveis.
O pior e mais crônico desperdício da sociedade brasileira, que compromete a produção de riquezas, comove pouca gente, apesar de suas consequências diárias. É o desperdício do conhecimento, calculado em documentos oficiais do governo.

Documento do Ministério da Educação calculou quanto a União, os Estados e os municípios perdem anualmente graças à evasão e à repetência nos ensinos fundamental e médio.
Os cálculos são feitos com base nas taxas de repetência e de evasão escolar, que, no ensino fundamental, são, respectivamente, de 22% e de 4% e, no ensino médio, de 17% e de 9%. O custo anual do aluno sai, em média, por R$ 600.
Segundo o governo, o desperdício, provocado especialmente pelo fato de o aluno repetir o ano, não é inferior a R$ 5,5 bilhões ao ano. Para ter uma idéia do que significa esse valor, note que os recursos prometidos para novos investimentos da Eletrobrás, destinados a evitar o colapso, não passam de R$ 1,5 bilhão.
Pode-se dizer, seguramente e sem o menor exagero, que esses R$ 5,5 bilhões não são a pior parte dessa conta de mau uso. Muitos dos estudantes que deixam a escola vão, por falta de opção de progresso, cair na marginalidade e na criminalidade. Mão-de-obra com baixa escolaridade representa comprometimento da produtividade econômica. São centenas de milhares de talentos impedidos de prosperar e de enriquecer o país, criando novos negócios, invenções, músicas, pinturas.
Se tivessem mais conhecimento e capacidade de abstração, os brasileiros seriam mais rigorosos na escolha de seus representantes, condição indispensável para a construção de sociedades mais eficientes.

O avanço da democracia brasileira só vai se acelerar de fato quando as pessoas perceberem que a educação é uma forma de energia -e que a sua escassez é o pior apagão que uma nação pode sofrer. A ignorância, como mostram os números, é, de longe, o pior dos desperdícios.
A crise energética é grave politicamente porque a população consegue entendê-la, já que vai senti-la na pele. A falta de educação faz com que muitas crises não sejam percebidas e, depois, sejam esquecidas justamente porque não tinham sido entendidas. Daí a ignorância ser, muitas vezes, conveniente aos homens do poder.

PS -Por falar em ignorância, lançou-se, na semana passada, uma campanha pelo fim da violência doméstica contra crianças -mais um daqueles assuntos fora da agenda brasileira. Preparei para o leitor desta coluna um dossiê com dados, a maioria desconhecidos, sobre o terror doméstico. Está no www.aprendiz.org.br.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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