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GILBERTO DIMENSTEIN
A ignorância é o pior desperdício de energia
O noticiário sobre o risco
de colapso já foi suficiente
para fazer o consumo de energia
cair 10% e ajudou a afastar, mesmo que temporariamente, os
apagões.
Para que tal redução ocorresse,
não se fez sacrifício algum e não
havia ainda nenhuma ameaça de
multa: cortaram-se, simplesmente, os desperdícios, as luzes que ficavam acesas sem necessidade.
Há no ar uma sensação de medo e de derrota: o país estava embalado pela convicção de que, depois de tantos tropeços, a economia continuaria crescendo e gerando empregos. Ninguém sabe
agora qual será o tamanho da
tragédia.
Em meio a sombrias previsões
-semáforos desligados, salas de
cirurgia às escuras, ataques de
bandidos nos bairros sem iluminação-, a população recebe aulas de alfabetização energética.
Fica sabendo quais aparelhos
eletrodomésticos consomem mais
e o custo que o seu uso representa
por mês; descobre a voracidade de
um ar-condicionado ou de um
chuveiro e a possibilidade de usar
lâmpadas mais econômicas. A
maioria dos cidadãos, entre os
quais este colunista, nunca se deu
ao trabalho de analisar a evolução de suas contas de energia elétrica, devido à suposição de que
não houvesse risco de escassez.
Só na distribuição, segundo o
governo, já há uma perda desnecessária, equivalente a 13% do total -quando o padrão internacional não ultrapassa 6%.
Por causa da ilusão de abundância, não se investiu na reciclagem de resíduos, que, se não fossem apenas lançados no ambiente, poderiam produzir energia.
Desperdiçam-se, diariamente, os
raios solares -tão intensos no
país-, que também poderiam
compensar a carência de energia
hidrelétrica.
Pela primeira vez, a nação
aprende, de fato, o valor da energia, ao avaliar os possíveis transtornos em sua rotina: desaparece
a sensação de abundância e constatam-se, além da irresponsabilidade dos governantes, com o presidente Fernando Henrique Cardoso à sua frente, os desperdícios
privados.
A energia está, no momento, no
topo das preocupações, mas encontram-se displicências em todos os segmentos da vida do país,
acarretando monumentais prejuízos -a corrupção, crônica e
disseminada, é, em essência, modalidade de desperdício. Afinal,
recursos que deveriam ser drenados ao combate à miséria acabam
em bolsos inescrupulosos.
Além do racionamento de energia, São Paulo está na expectativa
do rodízio de água. E a Sabesp
(Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) tem
uma perda diária de 35% de sua
produção de água.
É fácil perceber o que significa o
mau uso dos recursos naturais
quando não se pode tomar banho
ou assistir à TV; são carências
palpáveis e visíveis.
O pior e mais crônico desperdício da sociedade brasileira, que
compromete a produção de riquezas, comove pouca gente, apesar
de suas consequências diárias. É o
desperdício do conhecimento, calculado em documentos oficiais do
governo.
Documento do Ministério da
Educação calculou quanto a
União, os Estados e os municípios
perdem anualmente graças à evasão e à repetência nos ensinos
fundamental e médio.
Os cálculos são feitos com base
nas taxas de repetência e de evasão escolar, que, no ensino fundamental, são, respectivamente, de
22% e de 4% e, no ensino médio,
de 17% e de 9%. O custo anual do
aluno sai, em média, por R$ 600.
Segundo o governo, o desperdício, provocado especialmente pelo
fato de o aluno repetir o ano, não
é inferior a R$ 5,5 bilhões ao ano.
Para ter uma idéia do que significa esse valor, note que os recursos
prometidos para novos investimentos da Eletrobrás, destinados
a evitar o colapso, não passam de
R$ 1,5 bilhão.
Pode-se dizer, seguramente e
sem o menor exagero, que esses
R$ 5,5 bilhões não são a pior parte
dessa conta de mau uso. Muitos
dos estudantes que deixam a escola vão, por falta de opção de
progresso, cair na marginalidade
e na criminalidade. Mão-de-obra
com baixa escolaridade representa comprometimento da produtividade econômica. São centenas
de milhares de talentos impedidos de prosperar e de enriquecer o
país, criando novos negócios, invenções, músicas, pinturas.
Se tivessem mais conhecimento
e capacidade de abstração, os
brasileiros seriam mais rigorosos
na escolha de seus representantes,
condição indispensável para a
construção de sociedades mais
eficientes.
O avanço da democracia brasileira só vai se acelerar de fato
quando as pessoas perceberem
que a educação é uma forma de
energia -e que a sua escassez é o
pior apagão que uma nação pode
sofrer. A ignorância, como mostram os números, é, de longe, o
pior dos desperdícios.
A crise energética é grave politicamente porque a população consegue entendê-la, já que vai senti-la na pele. A falta de educação faz
com que muitas crises não sejam
percebidas e, depois, sejam esquecidas justamente porque não tinham sido entendidas. Daí a ignorância ser, muitas vezes, conveniente aos homens do poder.
PS -Por falar em ignorância,
lançou-se, na semana passada,
uma campanha pelo fim da violência doméstica contra crianças
-mais um daqueles assuntos fora da agenda brasileira. Preparei
para o leitor desta coluna um dossiê com dados, a maioria desconhecidos, sobre o terror doméstico. Está no www.aprendiz.org.br.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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