São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

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Pais costumam demorar para perceber situação problemática

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando recebeu o convite para trabalhar em Lisboa há dois anos e meio, o casal Patrícia Vasconcelos Torres, 30, e Carlos Eugênio Torres, 26, não imaginava os problemas que teria para (não) registrar o filho que viria a nascer em Portugal. Hoje com 19 meses, o bebê Carlos Eduardo não tem certidão de nascimento.
Em Lisboa, o consulado brasileiro emitiu um registro com a ressalva de que a nacionalidade está sujeita à residência no Brasil e à ação na Justiça Federal. O governo português concede apenas um boletim, um documento meramente comprobatório de lugar de nascimento, sem valor jurídico.
De passagem pelo Brasil em janeiro deste ano, o casal tentou, em vão, validar em um cartório de Fortaleza a certidão.
Em nota, o cartório João de Deus diz que "não pode transcrever o documento sem determinação judicial".
Na prática, o apátrida não tem direitos e não é reconhecido nem amparado pelo Estado. Sem certidão de nascimento, não pode ter RG, não vota, não serve ao Exército, não vai à escola pública e provavelmente não conseguirá um emprego.
Há 16 anos no Japão, Carmen Lúcia Tsuhako, 37, tem dois filhos sem cidadania brasileira, Isabela, 12, e Hiroshi, 5. "Demoramos anos para perceber em que situação nossos filhos se encontravam", diz a mãe.
Na Palestina há dez anos, Yusra Sayej, 36, de Pindamonhangaba (SP), vive situação parecida. Os filhos Maria, 3, e os gêmeos Jorge e John, de 22 meses, têm registros provisórios emitidos pelo representante diplomático em Ramallah.
"É revoltante. Sou brasileira e meus filhos não são? O que é isso? ", pergunta.
Hoje na Austrália, os filhos de Ana Lúcia Pereira de Siqueira, Alícia, 5, e Dilan, 3, nasceram na Alemanha. O pai alemão lhes transmitiu cidadania daquele país, mas os meninos não são brasileiros.
Dos dois filhos da paulistana Helena Americano Fragman, 44 anos, há 19 anos em Rosh Ha'ayin (Israel), apenas o mais velho, de 14 anos, é brasileiro nato. Nascido em Israel antes da mudança na Constituição, Amir Fragman não entende o porquê de o irmão, Uri Fragman, não ter cidadania.
"São todos brasileiros de coração e alma, mas não têm documentos", diz Helena.
Algumas nações, como Israel, concedem ajuda humanitária a pessoas nessa condição. Mas a mobilidade é restrita. Não podem, por exemplo, entrar nas Forças Armadas, uma das principais fontes de renda para jovens daquele país.

Movimento
Um movimento nascido na Suíça pressiona o Congresso a aprovar uma emenda à Constituição que devolva a condição de nacionalidade nata às crianças de ascendência brasileira no exterior.
Protestos em frente às embaixadas brasileiras nos países com maior contingente de imigrantes estão previstos para os dias 1º e 2 de junho para cobrar agilidade na votação.
Curiosamente, brasileiros refugiados e exilados durante a época da ditadura tinham garantida a nacionalidade aos seus filhos, mesmo banidos do país pelos militares.
Hoje, muitos deles estão no governo e têm filhos brasileiros nascidos no Chile ou na Europa. É o caso do governador paulista, José Serra.
"Os estrangeiros nascidos no Brasil adquirem automaticamente a nacionalidade brasileira. É absurdo, então, tirar a nacionalidade dos filhos dos emigrantes por nascerem no exterior", diz Rui Martins, responsável pelo organização Brasileirinhos Apátridas na Suíça. (VQG)


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