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"Eu me sinto uma assassina", diz costureira
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Faz dois anos que Lúcia, 44,
tem pesadelos com crianças
queimando seu corpo todo. Ela
acorda apavorada e imediatamente se lembra dos dois abortos que fez. No último, em
2005, quase morreu.
Com um filho de 24 anos e
dois netos, ela se diz arrependida e culpada pelo que fez. "Eu
me sinto uma assassina", afirma. "Não consigo nem chegar
perto de algum bebê, que a culpa toma conta de mim."
A decisão de fazer os abortos,
lembra Lúcia, foi tomada de supetão, sem muitas reflexões. Na
primeira vez, quando tinha 35
anos, ela nem contou ao namorado que estava grávida.
"Decidi tirar o bebê sem falar
com ninguém. Não queria passar por tudo aquilo de novo."
O "passar por tudo de novo" a
que ela se refere significava ter
de criar novamente um filho
sozinha. "Quando fiquei grávida do meu único filho, meu marido sumiu. Eu era novinha e tive de me virar para dar conta de
educá-lo", conta.
Além de cuidar da criança
sem nenhuma ajuda, ela teve de
arcar com todos os gastos. Lúcia mora na periferia de São
Paulo e ganha a vida hoje como
costureira.
Decidida a abortar, conseguiu com uma amiga comprimidos de um medicamento para tratamento de úlceras que é usado como abortivo.
"Paguei R$ 150 e não tive
problema nenhum."
Há dois anos, Lúcia engravidou de novo e também resolveu
pelo aborto. Dessa vez, porém,
consultou o namorado, que
também não quis a criança. Por
R$ 290, ela conseguiu o remédio. Mas tudo deu errado.
A costureira começou a ter
uma hemorragia interna e foi
levada às pressas ao Hospital
das Clínicas. O feto já estava
com quase três meses.
Ela ficou por dois dias no
hospital e teve de se submeter a
uma curetagem para a retirada
dos restos do bebê. Em nenhum momento, Lúcia admitiu
que tinha usado o abortivo.
"Eu ia morrer, e ninguém ia
saber do quê. Talvez algum médico tenha desconfiado, mas,
até hoje, nem meu filho sabe,
ninguém", diz. "Além do medo
que eu tinha da morte, temia ficar presa. Não queria ir para a
cadeia por ter feito um aborto."
Ela escapou da prisão, mas
não dos fantasmas que os abortos deixaram em sua cabeça.
"Não sei se o pior é morrer ou
viver assim." Se pudesse, afirma, teria levado as gestações
adiante. "Não aconselho ninguém a abortar. Minha vontade
é sair pelas ruas com cartazes
dizendo "não façam aborto, tenham amor à vida"."
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