São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

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Tombados, prédios do Ipiranga compõem rota arquitetônica

Casarões do início do século 20 e institutos com projeto de Ramos de Azevedo são as "novas" preciosidades do bairro

Tombamento de 12 prédios ocorreu na semana passada pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico)

MARIANNE PIEMONTE
DA REVISTA DA FOLHA

Se sentimento tivesse endereço, a morada do ufanismo seria o Ipiranga. Não bastam os versos de Duque Estrada, que narram suas margens plácidas, nem o imaginário escolar que desenha uma idéia diferente de independência ou morte na cabeça de cada um. Em mais uma demonstração de que o bairro está inerentemente impregnado do pó da história, na semana passada o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico) tombou 12 prédios dali -há ainda seis casarões nessa condição.
"É um tombamento temático, pois foram resguardados prédios dos institutos assistenciais e educacionais doados ao bairro pelo conde José Vicente de Azevedo", diz Vânia Lewkowicz, 46, do Departamento do Patrimônio Histórico.
Entre as preciosidades arquitetônicas doadas pelo conde estão quatro construções de Ramos de Azevedo (1851-1928, autor do Teatro Municipal), além de projetos de alguns dos principais parceiros do arquiteto na época, como Alexandre Albuquerque e seu Seminário Central do Ipiranga, de 1943.
Político rico e influente, diz a história que o conde José Vicente de Azevedo (1859-1944) comprou terras devolutas do Império e as doou com a condição de que virassem instituições de ensino e caridade. É o caso, por exemplo, do Instituto Padre Chico, batizado com o nome do religioso que recebeu, em 1928, as terras do conde. Ou do antigo juvenato Santíssimo Sacramento (1929), uma das obras de Ramos de Azevedo.
Segundo Tatiana Duschin, 62, organizadora do Museu Vicente de Azevedo, foi o conde o responsável pelo arruamento do bairro e pela chegada das linhas de bonde à então afastada região -consta que essa generosidade tinha raízes na benevolência de um tio, por quem o conde foi criado depois de perder o pai, aos nove anos.
O urbanista da USP Benedito Lima de Toledo, 72, diz que o Ipiranga foi um bairro de desenvolvimento tardio, posterior aos tradicionais pólos industriais como a Mooca e Brás. "Ele foi se estabelecendo porque é acesso para o litoral, pois era muito distante e tinha difícil trânsito para o centro", diz. No início do século passado, conta o urbanista, era comum na praça da Sé um loteador fazer barulho para convencer a população a morar na região. "Como a terra lá era muito barata, eles lotavam bondes e levavam os trabalhadores para comprar as casas geminadas."
Essas casotas pontuam até hoje o desenho do bairro. Outra forte característica é herança do arquiteto português Ricardo Severo, que também trabalhava no escritório de Ramos de Azevedo: "Permanecem intactas as vielas de acesso, pequenas ruas de serviço onde os padeiros e leiteiros deixavam suas mercadorias", explica. As vielas ainda estão ali, entre as travessas da rua Bom Pastor.
Toda essa história de prosperidade não seguiu trajetória apenas ascendente. Como vários outros bairros da cidade, a região carece de intervenções que preservem seu passado, mas renovem o presente. "O Ipiranga se desenvolveu muito em função das indústrias das famílias abastadas que se instalaram por lá, como a Jafet. Mas, hoje, ele está a espera de intervenção urbanística que o reorganize", diz o professor de urbanismo da USP Eduardo Rodrigues, 63. Para a arquiteta do Departamento do Patrimônio Histórico Ana Winther, 47, a esperança é que iniciativas como a do tombamento preservem a identidade do lugar.


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