São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 2002

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Menor consegue identidade falsa em 1 dia

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

Anteontem à noite, C.S.R.,17, dançava na passarela do sexo da boate Nu Cats, na zona portuária de Manaus, para atrair clientes para fazer programa, sem saber que sua performance era observada pela delegada Graça Silva, que fazia mais uma blitz como parte das investigações do combate ao esquema internacional de prostituição infantil.
O esquema utiliza a rodovia federal BR-174, que liga Manaus (AM) a Boa Vista (RR), e tem como destino cidades fronteiriças da Guiana e Venezuela.
Nos últimos três meses de investigação, nove pessoas foram indiciadas por favorecimento à prostituição nas delegacias de Manaus e Boa Vista.
Foram tomados depoimentos de mais 40 mulheres -sendo 32 menores- aliciadas pela rede, que oferece como atrativo programas pagos em dólar.
É em boates como a Nu Cats que as adolescentes são aliciadas para o esquema, segundo a investigação. Os aliciadores estão ainda na porta das escolas, nos bares e nos shoppings. "Faço isso [dança e programa" porque não tem outra opção", disse C., que não portava documentos.
No carro da polícia já estavam outras três garotas: D.F.S., 12, F.R.O., 17, e V.L.S., 15, resgatadas na casa do desempregado Cláudio de Oliveira Silva, 37, indiciado ontem por favorecimento à prostituição infantil. "Ele paga pelo programa R$ 20", disse V. Silva, D. e F. negaram o crime.
Apesar das pressões, a polícia investiga o poder paralelo que facilita o esquema internacional de prostituição infantil.
O esquema é formado por advogados, empresários, policiais, políticos e funcionários do Poder Judiciário. As adolescentes conseguem identidades falsas em menos de 24 horas.
E.B.B., 14, resgatada também na boate Nu Cats, em maio, pagou R$ 100 por uma carteira de identidade que lhe atribuía 19 anos de idade. I.R.S., 17, pagou R$ 200 para conseguir o documento e viajar para a Venezuela e para a Guiana.
Depois de revelar o esquema de Boa Vista à polícia, I., sua irmã A.R.S.,16, e a amiga R.S., 16, dizem estar ameaçadas de morte.
O coordenador do Conselho Tutelar de Boa Vista, Jorge da Silva, também sofre ameaças.
"São ameaças por conta do meu trabalho, mas vou continuar denunciando", afirmou.
A delegada Graça Silva não cita as pressões que sofre, mas reconhece a influência do poder paralelo. "Existe uma cobertura por cima, que são os clientes, pessoas influentes. Um desempregado não pode pagar um programa em dólar, isso é o retrato da impunidade", disse.
Impunidade é a palavra usada também pelo deputado Orlando Fantazini (PT-SP), presidente Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que investiga o esquema de exploração sexual infantil.
"Se nós não acabarmos com esse clima de impunidade para um setor da sociedade, não vamos alterar esse quadro. Vamos continuar fazendo estatísticas, diagnósticos, criando força-tarefa, e as mulheres e crianças continuarão sendo vitimadas pelo crime organizado", disse Fantazini. "É preciso vontade política, principalmente do governo federal, ou não teremos soluções."



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